Lá fora faz muito frio. O vento, embora não seja intenso, é cortante. Arde na pele e parece desafiar as camadas de roupas que dele deveriam proteger. Por isso, todos andam a passos acelerados, quase militares, como se estivessem a fugir de algo invisível a persegui-los. Através do vidro do café, eu a vejo sentada, elegante e alheia ao movimento que poderia muito bem observar. Ela, contudo, prefere fitar a xícara fumegante.
Ao chegar, não se preocupou em despir o elegante casaco de lã verde, ainda um pouco úmido pela breve garoa gelada que caiu ao entardecer e também a fez caminhar com maior velocidade, mesmo sem saber ao certo seu destino. Quando percebeu que havia quase ninguém, decidiu entrar, escolher onde se sentar, fazer o pedido, para, então, sorver a bebida escura, escaldante, como em um ritual. Não se deu ao trabalho, tampouco, de tirar o chapéu de feltro amarelo que comprou há duas semanas em uma loja perto de casa, e hoje o tom intenso desafia a atmosfera invernal do recinto. Sabe disso, mas decide mantê-lo sobre a cabeça, impertinente. Sente-se de alguma forma mais protegida assim.
Ao chegar, não se preocupou em despir o elegante casaco de lã verde, ainda um pouco úmido pela breve garoa gelada que caiu ao entardecer e também a fez caminhar com maior velocidade, ainda que ela não soubesse ao certo seu destino. Quando percebeu que havia quase ninguém, decidiu entrar, escolher onde se sentar, fazer o pedido, para, então, sorver a bebida escura, escaldante.
Ela não tem muita noção de quanto tempo pretende ficar ali sentada. Sabe que não quer voltar ao frio. A conversa com ele talvez tenha sido definitiva e isso a assusta um pouco. Não disse tudo o que tinha vontade, apenas o necessário para fazê-lo pensar em suas atitudes dos últimos dias. Evasivo, ele tentou fazê-la sentir-se tola, ingênua. Deixou-o falando sozinho, na esquina de seus escritório, como se quisesse puni-lo. Estava farta do silêncio dele, de sua incapacidade de expressar o que de fato sente. Sem alterar o tom de voz, lhe disse que a solidão a dois a estava corroendo aos poucos.
Dos alto-falantes de uma jukebox que não havia percebido no fundo do salão, ouve a voz melancólica de Billie Holliday, que aos poucos a despertam de seu transe: “Oh, meu homem, eu o amo tanto/ Ele nunca saberá/ Toda minha vida é um desperdício/ Mas eu não me importo/ Quando ele não não me toma em seus braços/ O mundo é brilhante/ Tudo certo”. Um sorriso triste se esboça em seus lábios, que tremem um pouco, antes de mais um gole de café. Ela enrubesce levemente, disfarça, mas não se levanta. Escolhe estar ali.
Crônica inspirada pelo quadro “Automat”, de Edward Hopper.