Tenho um relacionamento intenso, um tanto atribulado, com o sono. Embora não seja um dorminhoco inveterado, daqueles que só acordam cedo em caso de vida ou morte, e deslizam manhã adentro, sem qualquer culpa, também tenho certa dificuldade em despertar muito cedo. Pelo simples fato de que, quando sei que o despertador tocará às 6 horas, já vou para a cama ansioso, temeroso de perder o horário, e acabo tendo uma noite tensa, cheia de interrupções, acompanhada de olhadelas preocupadas no relógio.
Há mais de uma década e meia, fui diagnosticado com um transtorno chamado insônia terminal. O que isso quer dizer? Bem, tentarei explicar.
Não tinha maiores dificuldades em adormecer, mas, quase invariavelmente, costumava abrir os olhos por volta de 3h30, 4 horas da manhã, e não conseguia voltar, serenamente, aos braços de Morfeu: era como se tivesse esgotado toda a minha quota de sono naquele instante. O silêncio da madrugada por vezes era driblado por leituras noturnas, episódios de seriados, ou por aqueles filmes prediletos que saíam de minhas estantes para me fazer companhia, e talvez me embalar de volta a meus sonhos. Perdi as contas das vezes em que acordei no sofá da sala com a televisão ligada.
Costumam chamar esse meio de caminho, entre a meia-noite e raiar do sol, mais precisamente as 3 da manhã, de “a hora do demônio”, por ser o momento no qual essas criaturas “satânicas” estariam firmes e fortes a aprontar as suas sobre a Terra, aproveitando-se do descanso dos justos. Os mais sensíveis, ou suscetíveis a seus movimentos endiabrados, acordariam justamente por conta da inquietação energética gerada por toda essa atividade endemoniada.
Costumam chamar esse meio de caminho, entre a meia-noite e raiar do sol, mais precisamente as 3 da manhã, de ‘a hora do demônio’, por ser o momento no qual essas criaturas ‘satânicas’ estariam firmes e fortes a aprontar as suas na Terra, aproveitando-se do descanso dos justos.
Nunca levei muito a sério esse mito, herdado de nossa ancestralidade europeia. Mas intrigava-me constatar que, desde a infância, enfrentava, com alguma frequência, esses episódios de insônia fora de hora, que me impediam atravessar uma noite inteira sem interrupções indesejadas.
Como jamais fui exatamente um notívago, e tenha sempre me considerado um ser diurno, apesar de gostar bastante da noite e de seus mistérios, essas horas perdidas de madrugada sempre me custavam caro. Passava a manhã a bocejar, em um estado de sonolência aborrecido, que me impedia de prestar completa atenção ao que quer que fosse antes das 10 horas.
O pior, no entanto, não era bem isso. Ao acordar, enquanto todos no universo pareciam imersos no sono, eram inevitáveis as divagações existenciais, a revisão do dia anterior, seus acertos e erros, e de tudo que enfrentaria dentro de poucas horas, com o nascer do Sol. Um inferno solitário, enfim. Quem sabe, portanto, o tal história da “hora do demônio” fizesse, enfim, algum sentido.
Esse tormento, no entanto, se dissipou quando, convencido de que não deveria mais me atormentar, ouvi, da boca de um neurologista, que me contou sofrer do mesmo mal, o diagnóstico de que eu, como uma pequena mas significativa parcela da humanidade, sofro desse transtorno, contra o qual não há muito a ser feito, a não ser tomar um medicamento que me ajuda a relaxar e a dormir durante toda a noite. A meditação também pode ser um auxiliar poderoso. Aprendi a me aceitar, de corpo e alma, a compreender que somos, organicamente, mais complexos do que supomos. Hoje tenho sonhos, alguns bem felizes.