Na pátria inventada, a princesa herdeira de altas patentes das Forças Armadas diz militar pelas causas progressistas, autoproclama-se socialista, mas se recusa a casar e não abre mão da pensão vitalícia a que tem direito. Ela critica com veemência a sociedade de privilégios, mas jamais considerou, por um segundo, a hipótese de perder os seus. A moça não é personagem de ficção, mas protagonista de uma entre dezenas tramas surreais que o Brasil nos proporciona.
Na pátria inventada, o garboso príncipe herdeiro de uma linhagem de nobres políticos que, nos primóridios, diziam-se ferrenhos defensores da democracia, faz campanha pelas redes sociais, pedindo doações espontâneas para lançar sua pré-candidatura. Quer chegar à “Casa do Povo” nos braços de seus eleitores, por eles financiado, afastando quaisquer suspeitas de ilicitude, nem que seja em um belo jogo de cena. O bom-mocismo de seus apelos é comovente (só que não).
Na pátria inventada, trabalhadores da boleia, que transportam a economia do país nas caçambas de seus caminhões, decidem parar o reino, e intentam, talvez, derrubar o imperador, sabotando a própria população, seus iguais, instaurando o caos.
Na pátria inventada, trabalhadores da boleia, que transportam a economia do país nas caçambas de seus caminhões, decidem parar o reino, e intentam, talvez, derrubar o imperador, sabotando a própria população, seus iguais, instaurando o caos. Travam as estradas, estrangulam a vida civil, e gritam pelo retorno das fardas, dos coices inclementes que nos lançarão de volta a um passado sombrio sem dó nem piedade. Clamam pela moralidade e não se dão conta dos fios que controlam seus movimentos. Marionetes de forças que não dão as caras, mas que pouco ou nada se importam com eles ou outros trabalhadores como eles.
Na pátria inventada, percebo o avanço galopante de um fascismo raivoso assustador porque, como nação, já não nos compreendemos. Uma bruma espessa toma conta de paisagem com rapidez, e nos turva a visão. Essa cegueira, já nos ensinou José Saramago, pode nos devolver à bestialidade. Devemos ficar alertas.