O longa-metragem 2001– Uma Odisséia no Espaço (1968) contém, talvez, o mais intrigante – e celebrado – corte da história do cinema. Também é, possivelmente, o maior salto temporal em uma narrativa fílmica de todos os tempos: quatro milhões de anos. A transição de planos ocorre quando um macaco, ancestral remoto da raça humana, arremessa para o alto, em direção ao céu, um osso, que acaba de ser usado para matar outro símeo de seu grupo.
A câmera acompanha a trajetória ascendente do objeto transformado em arma até o início de sua inevitável queda, por conta da força da gravidade. Nesse momento, o filme introduz ao espectador a imagem de uma nave espacial, cujas forma e cor se assemelham bastante às do osso. Ao som da valsa “Danúbio Azul”, de Johann Strauss, a espaçonave atravessa a tela, flutuando no infinito.
A distância cronológica que separa esses dois planos, mas aproxima em significado o fragmento ósseo da imagem de uma nave imersa no futuro, ganha um significado extra diante da constatação de que a ideia de porvir projetada pelo filme, baseado no romance de Arthur C. Clark, antecipa um século 21 que, para nós, em pleno 2017, já é presente.
Uma das inúmeras leituras possíveis de 2001 – Uma Odisséia no Espaço diz respeito à antecipação de um futuro, no qual o homem, na ponta da trajetória evolutiva da espécie, e a máquina, uma de suas criações, entram em confronto, por, de alguma forma, se confundirem. De tão arrojado, o computador Hal 9000 adquire de seu criador faculdades como a fala, o raciocínio lógico. Ao ponto de também absorver suas imperfeições, como o descontrole emocional. Chega ao extremo de, em seu processo de colapso (ou morte), apresentar um comportamento muito similar ao dos homens, que, na velhice, por conta de um processo neurológico degenerativo, começam a agir como crianças. Na medida em que o supercomputador do filme fenece, ele regride ao estágio infantil.
Faz sentido que, em 1968, às vésperas da chegada do missão Apolo 11 à Lua, e já em tempos de escalada tecnológica, o clássico de Stanley Kubrick ocupe-se dessa discussão. Desde seus primórdios, o cinema imagina o futuro tomando como base conflitos e preocupações que o afligem nas circunstâncias da criação do filme.
Muito cedo, já no cinema mudo, encontram-se exemplos dessa relação entre presente e futuro. O clássico Metrópolis (1927), de Fritz Lang, por exemplo, não deixa de ser uma espécie de projeção temporal de preocupações bastante palpáveis em uma Alemanha entre-guerras, às vésperas da ascensão ao poder do Partido Nacional Socialista e de seu líder, Adolf Hitler.
O enredo é ambientado no século 21, em uma grande cidade governada de forma autoritária por um poderoso empresário. Seu círculo mais próximo de colaboradores constitui a classe privilegiada. Os trabalhadores, em contrapartida, são escravizados pelas máquinas (como esquecer a figura ao mesmo tempo sensual e gélida do robô feminino, símbolo maior do longa-metragem), e condenados a viver e trabalhar em galerias no subsolo.
Toda narrativa fílmica futuristaa, como Blade Runner 2049, atualmente em cartaz nos cinemas, é um testemunho de seu tempo, do contexto sócio-histórico no qual ela está inscrita e foi criada, e apoia-se nas malhas sociais do momento de sua gestação. O fato de seus argumentos terem projetos deliberadamente descolados do hoje não faz deles testemunhos menores das preocupações e medos do presente.
Não à toa, Metrópolis, quando de seu lançamento, causou tamanho impacto em Hitler que, ao chegar ao poder, solicitou ao seu ministro da Propaganda, Paul Joseph Goebbels, que convidasse Fritz Lang para fazer filmes de conteúdo nazista. O führer não percebeu, nas entrelinhas da obra de ficção científica de Lang, um forte de teor de crítica política à ideologia defendida por seu partido. O diretor, obviamente, rejeitou a proposta e fugiu para Paris, onde chegou a realizar filmes de conteúdo antinazista antes de imigrar para os Estados Unidos.
Toda narrativa fílmica futurista, como Blade Runner 2049, atualmente em cartaz nos cinemas, é um testemunho de seu tempo, do contexto sócio-histórico no qual ela está inscrita e foi criada, e apoia-se nas malhas sociais do momento de sua gestação. O fato de seus argumentos terem projetos deliberadamente descolados do hoje não faz deles testemunhos menores das preocupações e medos do presente..
O belo filme de Denis Villeneuve, que retoma a ação do clássico de Ridley Scott 35 anos mais tarde, retrata um futuro no qual a fome foi eliminada graças a uma agricultura sistêmica, transgênica. Alimentos são cultivados em imensas estufas, porque a natureza rendeu-se ao progresso, à ambição desmedida do homem, e feneceu. A única árvore que vemos no filme está morta e surge na tela como um simbolo ambíguo ao mesmo tempo de desesperança e de resistência. Assim como as colmeias e abelhas que surgem próximo ao desfecho da trama representam a possibilidade do ressurgimento da vida em um mundo desumanizado onde androides ambicionam ter uma alma, e alguns se revelam mais sensíveis do que seus criadores.