Será que gostamos de arrastar correntes?
Sempre me faço essa pergunta quando percebo que estou, mais uma vez, pensando no que ficou para trás, remexendo no meu baú de memórias, tirando as caixas de ordem, espanando a poeira, para rearranjá-las. Tenho uma querida amiga que costuma me chamar de embaixador do passado, personagem que já pensei até em transformar em protagonista de romance. Ela diz que sempre me recordo de tudo, em detalhes, até do que não deveria. Mas não decidi ser assim. Deve estar no DNA, ou na conformação de minha personalidade como um mecanismo de autodefesa.
Lembro de remotas conversas aparentemente sem importância em mesas de bar, de sessões de cinema há mais de 20 anos, de como se iniciaram, ou terminaram, casos de amores que não foram meus. O quê, quem, quando, onde, como e por quê? Talvez por isso tenha decidido me tornar jornalista, depois de trancar o curso de Direito no segundo ano de faculdade. Gosto de observar, ouvir e me deixar alterar com as histórias que ouço e testemunho – e também pelas que vivo.
Roubando o título da autobiografia de Gabriel García Márquez, vivo para contar. Nem que seja para mim mesmo, para desviar da solidão e compreender melhor o mundo ao meu redor. Percebo que as tramas podem se alterar, porque eu, como narrador, mudo de perspectiva, de geografia emocional. Graças a Deus! Imobilidade, sim, pode ser uma maldição.
Talvez por isso tenha decidido me tornar jornalista, depois de trancar o curso de Direito no segundo ano de faculdade. Gosto de observar, ouvir e me deixar alterar com as histórias que ouço e testemunho – e também com as que vivo.
Não vejo o passado, portanto, como algo que prenda, e nos impeça de seguir em frente. Pelo contrário: é uma espécie de âncora, que dá, muitas vezes, sustentação para atravessar tempestades, sem perder a terra firme de vista, mas também pode ser recolhida, recolocada a bordo, e, assim, permitir novas jornadas mar adentro. E eu adoro viajar, nem que seja apenas em pensamento.
Esse hábito de olhar pelo retrovisor, e evocar experiências já vividas na hora de encarar o presente, acho que me torna mais inteiro, não exatamente pronto (nunca estamos!). Minha reverência ao já vivido não faz de mim, contrariando as expectativas, um nostálgico e ponto. Nesse jogo de esconde-esconde com reminiscências, que vêm à tona sem pedir muita licença, volta e meia dou de cara com um menino de olhar matreiro, à espera de que todos saiam de casa, para colocar suas músicas favoritas a todo volume e sair dançando entre os cômodos, porque se sente ridiculamente vivo e tudo muda o tempo todo. O futuro, para mim, está nessa brincadeira.
A gente é que não se dá conta.
Foto de Elliott Erwitt.