Para mim, pouco importa se a série The Chair terá uma segunda temporada na Netflix. A primeira já me proporcionou prazer suficiente. Não é excelente, talvez nem mesmo muito boa, mas seus seis episódios, de pouco menos de meia hora cada, tiveram o grande mérito de me transportar para uma dimensão fascinante: o ambiente acadêmico e seus bastidores, com tudo que têm direito. Não faltam discussões intelectuais, amores reprimidos e não concretizados, muitas intrigas e, é claro, fogueira de vaidades.
A genial Sandra Oh, de Grey’s Anatomy e Killing Eve, é a protagonista, a doutora Ji-Yoon Kim, filha de imigrantes coreanos que ascende à posição de chefe do Departamento de Literatura Anglo-Americana da Pembroke University, renomada (e ficcional) instituição de ensino de uma pequena cidade na Costa Leste dos Estados Unidos.
A chegada de Ji-Yoon ao cargo (chair, que dá título à série) é vista como um sinal de mudança de ventos na tradicional Pembroke, por ela ser mulher e, principalmente, de origem asiática. A maior parte dos professores do departamento são homens e brancos. Entre esses docentes estão os veteranos e rabugentos Elliot Hentz (Bob Balaban) e McHale (Ron Crawford), que já não conseguem atrair tantos alunos a suas aulas, consideradas muito sisudas e conservadoras, e também o mais jovem e irrascível Bill Dobson (Jay Duplass).
Escritor e admirado pelos estudantes, Bill atravessa um período difícil em sua vida. Ficou viúvo e a única filha acaba de mudar de cidade, para estudar. Deprimido, ele vive à base de remédios tarja preta e álcool. Seu estado emocional já causa impacto em sua vida profissional. Confunde as disciplinas que está ministrando, chega atrasado às aulas e não dá a devida atenção a seus orientandos. Ji-Yoon, com quem mantém uma relação ambígua, entre a amizade e o amor platônico, tenta ajudá-lo, o protegendo, mas essa postura pode lhe causar problemas no trabalho. E quando, de brincadeira, ele faz uma fala infeliz, mal interpretada como uma defesa do nazismo, a casa cai, com sérias consequências em plena era do cancelamento.
No limite entre a comédia e o drama, The Chair não é uma série perfeita, longe disso. Mas tem a seu favor a despretensão de retratar um ambiente que, em sua essência, por vezes transborda pretensão e arrogância: o mundo acadêmico. Sem banalizá-lo nem glamourizá-lo, a série lança em sua direção um olhar crítico, mas também humanizado.
Há também outras mulheres sob o comando de Ji-Koon. Uma delas é Yaz McKay, jovem professora negra, adorada pelos alunos, engajada e criativa, mas vista com enorme desconfiança e ciúme pelos demais professores. A chefe de departamento não mede esforços para que ela obtenha estabilidade (tenure) na universidade, contudo esbarra na resistência (e racismo velado) dos colegas. Joan Hambling (a ótima Holland Taylor), por sua vez, é especialista em literatura britânica, na obra do escritor Chaucer, e está há 32 anos na instituição sem reconhecimento. Devido à idade e à certa impopularidade de suas aulas, teve seu gabinete transferido para o subsolo do ginásio esportivo, o que é visto como um inegável sinal de desprestígio na universidade.
O desafio de Ji-Koon, portanto, é gigantesco. De certa forma, reflete desafios também presentes na sociedade, fora dos muros da escola: sexismo, etarismo, machismo, racismo, preconceito de classes. Em sua vida pessoal, a vida da professora também não é fácil. É mãe solo de Ju Ju, que adotou após se separar do marido. A menina, de origem hispânica, tem dificuldades para lidar com a ancestralidade coreana, que não reconhece como sua, representada pelo avô materno, incapaz de falar inglês.
No limite entre a comédia e o drama, The Chair não é uma série perfeita, longe disso. Mas tem a seu favor a despretensão ao retratar um ambiente que, em sua essência, pode transbordar pretensão e arrogância: o mundo acadêmico. Sem banalizá-lo nem glamourizá-lo, a série lança em sua direção um olhar crítico, mas também humanizado. Professores universitários, muitos deles intelectuais respeitados, fazem muita besteira. São seres humanos, enfim.