Em uma tarde talvez quente demais para o espírito temperado de Curitiba, olho para o teto da sala de meu apartamento e vejo o lustre lentamente girar, sob o efeito de uma sutil, porém refrescante brisa que, sem avisar, entra pelas portas escancaradas da sacada.
Sou invadido, nesse instante, por uma agradável sensação de alívio, e surpresa. O esboço de vento anuncia algo que não sei muito bem explicar. Talvez seja a constatação de que tudo na vida, até o que parece aprisionado pelo ar pesado e abafado de um inicio de tarde de verão, está em movimento.
As mudanças não precisam, necessariamente, de ventanias, ou de revoluções. A sutileza também pode ser profundamente transformadora, porque esculpe a realidade aos poucos, até reconfigurá-la.
Gosto de me sentar em bancos de praça, ou sobre a grama de espaços públicos, e observar o que sempre parece igual, mas, bem lá no fundo, não é. A melodia do cotidiano, embora possa soar com frequência repetitiva, nunca é idêntica e muitas vezes toma rumos sonoros inesperados em cenas que irrompem na aparente calmaria do dia.
Pode haver um cão que surge do nada e corre em nossa direção, como se nos reconhecesse. Um jovem de bicicleta que pede licença e oferece os biscoitos feitos pela mãe no forno de casa e ele vende ao redor da cidade. Ou um casal que, alheio a tudo, se beija a céu aberto, compartilhando com o mundo o seu momento de extrema intimidade como se fosse um presente. A felicidade, sim, pode existir numa dobra quase insignificante do tempo. Acontece, para todos verem.
Por isso, a visão do lustre que começa de repente a girar, e me faz sentir a presença invisível do ar que se move ao meu redor, me serve de conforto – e esperança. As mudanças não precisam, necessariamente, de ventanias, ou de revoluções. A sutileza também pode ser profundamente transformadora, porque esculpe a realidade aos poucos, até reconfigurá-la. Tudo se move, e pulsa, ainda que, muitas vezes, de forma quase imperceptível.