Como já mencionei em diversos outros textos aqui publicados, nasci e cresci em uma zona litorânea peculiar. Mambucaba, a vila fechada e destinada aos trabalhadores da usina nuclear de Angra dos Reis, é provida de beleza singular e desprovida de quase todo o resto, incluindo aí o entretenimento no topo da lista de ausências. Ser criança naquele lugar significava um mundo a ser descoberto por conta própria, mas ser adolescente já implicava, por sua vez, uma boa dose de tédio e questionamentos – caso você seja um desses.
Ser criança naquele lugar significava um mundo a ser descoberto por conta própria, mas ser adolescente já implicava, por sua vez, uma boa dose de tédio e questionamentos – caso você seja um desses.
Fiz esse preâmbulo para contar que estive, na semana passada, no casamento de uma das minhas mais antigas amizades. Estudamos juntos desde o jardim de infância e tivemos a nossa bandinha de garagem quando o noivo em questão começou a aprender bateria. Em cem por cento dos casos, a reunião de velhos amigos em um evento como esse deságua em nostalgia e memória inventiva, de modo que não demorou para que pusessem um baixo em minha mão para que nós, como nos velhos tempos, tocássemos as músicas de nossa antiga banda. A música, para ser mais preciso. Das três ou quatro que compusemos – com títulos ótimos como “A Sogra do Azar” e versos que idealizavam a juventude inalcançavelmente hedônica e existencial, como “o meu mundo parou de rodar/ eu preciso de diversão/ não tenho dinheiro pra poder viajar/ vou partir pra fudeção” – apenas uma ficou na nossa memória por completo. Justamente a que descreve a vila em que vivíamos. A letra foi escrita coletivamente por cinco ou seis pessoas, embora estilisticamente o palpite cairia para, talvez, menos de uma.
Seguimos, pois, o ensinamento tolstoiano e cantamos a nossa aldeia a fim de sermos universais. Como os Racionais MCs descreveram a vida na periferia de São Paulo, tínhamos o nosso próprio infinito particular para descrever. Mais ou menos. Sem guerras de gangues, sem dinâmicas de violência, sem acertos de contas e sem praticamente nada que valesse a pena ser cantado, eis o refrão da música tão punk rock que berramos do alto de nossos trinta anos em um casamento, para delírio do público (soube de gente que chorou ouvindo isso): “Mambucaba é tranquilo/ mambucaba tem paz/ aqui a gente só faz aquilo/ senão fica pra trás”. Até hoje não sei o que é esse “aquilo” do verso, mas imagino que seja algo privado e circunscrito à atmosfera do banheiro. Como eu disse, foi uma letra escrita a muitas mãos. Mas é nossa única música sincera, e, talvez por isso, a única que não se perdeu no tempo. Cantar a aldeia, mesmo que ela não tenha nada que seja digno de ser cantado. Algo como O Rio de Janeiro continua lindo, só que menor e menos lindo. Mambucaba continua tranquilo.