Para Paulo Henriques Britto
É um estado mental que não se resolve, muito menos se explica. Os dias passam deixando que o passado se acumule impunemente às costas, erguendo uma pilha de horas inúteis e mal pensadas. Zanzar pela casa é a rotina do prisioneiro da mente, e enjoa como o excesso de açúcar na sobremesa. O coração se inquieta, brada perguntas retóricas ao universo, recebe silêncio sepulcral na réplica que nunca vem. O universo se agiganta, se expandindo para os limites do corpo, esmagando a presença física do meu eu.
De um lado, a vontade de pertencer. Do outro, a necessidade de não pertencer. A possibilidade de ser uma ilha cai por terra, a resolução racionalizada da noite se desmancha em sentimentos matutinos tal qual um Raskolnikov cheio de razão após cometer um assassinato. A vida não é como imaginamos quando o que imaginamos é apenas a tentativa infrutífera de ser o que não se é. Falha-se em tudo, o ressentimento cresce e a análise ulterior dos fatos comprova que o problema não é outro senão nós mesmos. Pensamos nas outras pessoas, para as quais julgamos ter tudo fácil na vida. Qual o segredo da leveza, que abnegações são necessárias para atingir um estado de iluminação, e que garantia temos que as renúncias não nos comerão o fígado eternamente? Esse desejo irracional por certezas, sempre ele, a nos dinamitar o caminho pavimentado da alegria do presente – a única possível de existir, em verdadeiro. Então preferimos esquecer que vivemos a modernidade líquida, ou apenas desejamos em nosso íntimo não vive-la, mesmo fazendo o exato oposto para esse fim?
A vida não é como imaginamos quando o que imaginamos é apenas a tentativa infrutífera de ser o que não se é.
Tentamos de tudo, tateando as possibilidades. Desejamos ser únicos, e depois não há o que nos demova da ideia de sermos banais, nos dissolver como cadáver putrefato entre a massa social que nos engole. Bebemos de um trago só o esterco do ridículo e constatamos que tem gosto de mel, como diria o poeta. Fazemos o que for para postergar o momento de nos reconhecer no espelho. Como as crianças travessas que nunca deixamos de ser, temos vergonha e preferimos falar, pensar, fazer outra coisa. Difícil é ser honesto consigo mesmo. Difícil é aceitar as coisas como elas são. Difícil é ser.