Não faz muito tempo que passei na Alameda Doutor Carlos de Carvalho, no centro de Curitiba, e vi que um prédio comercial que há muito tempo estava para ser inaugurado finalmente abriu as portas. Ele chama Tiemann Headquarters, e escondeu debaixo de plástico preto por mais de um ano duas estátuas enormes de leões esculpidos em mármore, que dão o tom imponente da concepção original do complexo executivo de sabe-se lá o quê. Lê-se nas estátuas que foram importadas da China e esculpidas por um artista cujo nome não se pode guardar devido ao conjunto de monossílabos característicos altamente esquecíveis da língua chinesa. Na frente de um dos leões, lê-se a palavra “persistência”, escrita incorretamente e em inglês.
Fato é que já desconfiava que eram mesmo leões que estavam debaixo daqueles plásticos por tanto tempo. Cogitei algum outro tipo de bicho, mas uma impressão geral da cidade e da sua ideia de imponência não levou minha suspeita para muito longe. Curitiba tem um jeito pouco imaginativo de alegorizar poder e ostentação. Basicamente, ou a coisa descamba para um neoclassicismo de ocasião, inadequado como uma grua em um baile de debutantes, ou para a simbologia dos grandes felinos. Um prédio na Rua Coronel Dulcídio inclusive teve a ousadia estética de cometer as duas coisas: colunas gregas na fronte com duas panteras negras no terraço. Fora isso, o Palacete dos Leões, o “restaurante dançante” Gato Preto (também batizado de Pantera Negra conforme a época), as esculturas de João Turim e o reduto gay da boate Cats, reforçam o gosto da cidade pelos animais. Outros estão por aí, esculpidos em muros, corrimões de escadarias e jardins frondosos, mas talvez a exaustão da alegoria me impeça de memorizar a localização de mais bichanos.
“Basicamente, ou a coisa descamba para um neoclassicismo de ocasião, inadequado como uma grua em um baile de debutantes, ou para a simbologia dos grandes felinos.”
Diferentemente de nova York, por exemplo, com seus “tubarões de Wall Street” e o touro que simboliza a agressividade financeira de seus magnatas, Curitiba conta sempre com o Rei da Selva (que na verdade é um animal da savana) e seus derivados. A elegância e o mistério dos felinos cai bem para a cidade, que guarda em si desde tempos outros essas qualidades – impulsionadas talvez pela literatura que se dispõe a tratar da capital. Já a cafonice das esculturas desse tipo de bicho, que nenhuma empreitada séria pensaria em fazer em tempos atuais, essa também tem tudo a ver com Curitiba.