Tem uma tirinha do cartunista Ricardo Coimbra que sempre me diverte. Ele fala da sempre inconveniente pessoa intensa. Aquela que bebe muito, abraça o cachorro de rua, traz o mendigo cagado para a mesa de bar, para que possa compartilhar a vivência dele com as pessoas da mesa e, enfim, disfarça desequilíbrio psicológico com performances poéticas.
Para além da aporrinhação com quem não está no mesmo nível de alteração emocional da personagem, entretanto, sempre me espantou que, nessa experiência em que vivemos, o excesso seja, a priori, maléfico. Comer demais mata, pegar sol demais mata, festejar demais mata, para não falar de outras coisas. O prazer humano não é feito para ser sustentado, mas para ser apreciado em lampejos, o que lhe garante caráter de exceção. O prazer é breve, eis uma conclusão a que qualquer homem é capaz de chegar depois de apreciar seu orgasmo microscópico, recompensa da desproporcional energia gasta numa conquista barata qualquer.
A que viemos então? Gemer e chorar nesse vale de lágrimas e, quando a oportunidade permitir, um lampejo de felicidade?
A que viemos então? Gemer e chorar nesse vale de lágrimas e, quando a oportunidade permitir, um lampejo de felicidade? Onde ficam essas pessoas intensas? Em uma fina faixa da humanidade em que não há cosplay de civilização, e são elas os últimos bastiões de honestidade sensorial de uma espécie que se acostumou a abdicar do prazer depois de tê-lo conhecido em suas formas mais duras?
É tentador pensar que um único Doritos sabor cheddar tem mais gosto de cheddar do que qualquer camponês ou aborígene do século treze comeu em toda sua vida, e por isso mergulhar no hedonismo desenfreado é o único verdadeiro gesto de gratidão com a época e o espaço que acolheu sua existência, mas há outro ângulo para isso. O que podemos pensar, numa relativização barata que, contudo, faz o serviço, é que estamos todos, em algum campo, nos excedendo a todo momento. O celular, a necessidade de afeto, a procrastinação ou o workaholismo, tudo o que a ansiedade demanda do corpo, ei-los, seres ocupados e doentes, proferindo discursos de parcimônia enquanto a alma é toda ela, uma aventureira da intemperança.
Há um filme antigo do Marcello Mastroiani chamado A Comilança (1973), que consiste em quatro caras que resolvem se trancafiar num castelo durante um fim de semana e deixar que o excesso de prazer leve a melhor. Comer até morrer. De algum modo, não é isso que estamos todos, pessoas inconvenientemente intensas, estamos fazendo?