Não faz muito tempo eu escrevia três matérias jornalísticas por dia, desenhava sete tirinhas de jornal por semana e fazia uma resenha de algum livro para o domingo. Ler, escrever, desenhar, analisar, essa era a minha rotina. Não faz muito tempo, como falei. Desse pouco tempo para cá, cessei as atividades como repórter e hoje colaboro esporadicamente para algum veículo de comunicação, um ou dois textos no mês, quem sabe, quando muito; não desenho mais tiras de jornal, embora convites para desenhá-las de graça não me faltem; escrevo para este espaço, com textos publicados às segundas; e faço resenhas em vídeos para o YouTube, onde, descobri tardiamente, estão os verdadeiros interessados nesse tipo de mídia cultural alternativa. Minha profissão principal hoje envolve apertar botões num sistema de computador da década de 1980. Tela preta, fonte verde, aquela coisa linda.
O que estou querendo dizer com isso é que, subitamente, a escrita deixou de exercer seu papel protagonista na minha vida. Eu, que escrevia tanto que cheguei inclusive a produzir alguma literatura — amplamente festejada no circuito amador e solenemente rechaçada entre os profissionais — não preciso mais escrever para ganhar dinheiro ou mesmo para obter qualquer tipo de satisfação pessoal. Os jornais reduziram de tamanho, a mídia impressa está restrita aos livros e, vá lá, algumas revistas que possuem, por sua vez, cada vez menos palavras e cada vez mais fotos e figuras. O audiovisual está com tudo, e o texto escrito é lido de cabeça por quem aparece na frente da câmera, nunca nos deixando ver se ao menos a ortografia está certinha.
Os jornais reduziram de tamanho, a mídia impressa está restrita aos livros e, vá lá, algumas revistas que possuem, por sua vez, cada vez menos palavras e cada vez mais fotos e figuras. O audiovisual está com tudo, e o texto escrito é lido de cabeça por quem aparece na frente da câmera, nunca nos deixando ver se ao menos a ortografia está certinha.
Claro que com isso estou escrevendo cada vez pior. Escrevo hoje como caminha um senhor aposentado com uma barriga extraordinária, adubada com latão de Skol no fim da tarde e uns quinze ou vinte cigarrinhos ao longo do dia. Veja como ele caminha compenetrado, marcando mentalmente o ritmo dos passos, com uma roupa adequada para a prática de exercícios físicos. Boné, camisa branca, um tênis que esbanja em suas cores toda a jovialidade que ele não possui mais, meião na canela, uma bermuda leve. Quem sabe está suando na virilha, quem sabe seu coração ensebado está trabalhando como uma britadeira no centro da cidade. O que quer que este senhor esteja fazendo, está fazendo por ordens médicas, para não ter uma morte dolorosa e horrível, e ele está fazendo o que pode, muito embora qualquer espectador da cena possa sentenciar com tranquilidade: isso aí mal conta. Não é o suficiente.
E há quem esteja, neste exato momento, pensando em escrever um livro, por ter a firme convicção de que pelo menos a literatura não será abandonada quanto a escrita periódica tão cedo. Desconsidera os grupelhos, o volume absurdo de originais descartados aos quilos pelas casas editoriais sem que sequer tenha sido lido, ignora a numerologia psicodélica que rege as leis do mercado de livros, faz vista grossa para a profusão de chorume empurrado pelas estratégias de marketing nas megastores, acreditando piamente que os happy few serão mais que o suficiente para que seu pequeno livro seja celebrado e, com alguma sorte, imortalizado. E aí, num arroubo otimista da minha parte, talvez chegue até essa crônica e constate que deveria ser proibido escrever de mau humor, ou jogar água real no chope onírico alheio. Ou, quem sabe, encare isso como um daqueles pessimismos criados unicamente para fazer a jornada do herói mais bonita, o solipsismo arrogante que só quem acredita botar uma palavra na frente da outra até virar arte é capaz de ter.
Mas quem disse que alguém vai ler isso?