Há uma regra não escrita na humanidade brasileira que, de alguma maneira, espalhou por todo o território nacional: é preciso escapar da própria cidade durante o carnaval. Nem que seja para a cidade do lado. Nem que horas de engarrafamento lhe esperem. Nem que passagens aéreas exorbitantes coloquem credores em seu encalço. O imperativo da impermanência é essencialmente carnavalesco.
Foge quem pode, fica quem não tem saída. Nem mesmo cidades historicamente festivas retêm seus citadinos. O interior de Minas fica abarrotado de cariocas ao Sul, goianos a Oeste e baianos ao Norte. Que dirá a população da minha inaudível Curitiba então. Fujam para as colinas, a capital paranaense, seguindo a tradição sulista, tem seu pré-carnaval mais substancioso do que a festa em si. Cinco ou seis fins de semana de bloquinhos para uma meia semana modorrenta de folga, em que a cidade fica jogada às traças que lhe cabem enquanto todos entopem as areias do estreito litoral.
Há uma regra não escrita na humanidade brasileira que, de alguma maneira, espalhou por todo o território nacional: é preciso escapar da própria cidade durante o carnaval. Nem que seja para a cidade do lado.
É claro, o carnaval é a festa da inversão de valores – não à toa estudos literários cunharam a expressão “carnavalização” para romances de papéis trocados. Tudo o que é preso se solta no ar. O que é fixo, migra. Criar novos problemas em outras cidades, o caos do que não comporta a enxurrada de turistas, o calor que não distribui sombras equânimes, os preços cobrados por quem precisa fazer o pé de meia do ano nesses poucos quatro dias, a fila de carros, o tumulto, as coisas que acabam: cerveja, gelo, almoço, sorvete, água, paciência. Busca-se a tranquilidade na bagunça, o descanso no caos — a catarse coletiva jamais pode acontecer em solo próprio.
Rio de Janeiro: a ideia de caos que encontra seu bucolismo de ocasião em vielas e microbairros da região central. Salvador: o agito violento das massas beligerantes. São Luís do Paraitinga: a ideia bucólica de carnaval atropelada pelo caos da multidão que teve a mesma ideia. Tiradentes: o Brasil colônia imerso em uma enxurrada de universitários. Cada destino, sua manifestação inevitável, transmutada pela necessidade universal de fugir. É preciso escapar. Nem que seja a custa da própria paz de espírito. Fuja no carnaval, fuja sempre.