Pelo celular ou pelo computador — nunca por meio de uma ligação — chegam mensagens. Poucas. Perguntam como eu estou. No meio dessa loucura. Que loucura, bicho. Estou me cuidando? Estou me mantendo ativo? Estou bem? A resposta para elas é sempre sim. Mas, se vivêssemos em um mundo seguro para expressar sinceridade, o mais adequado seria dar de ombros.
A verdade é que ficar fechado em casa, completamente sozinho, longe de me deixar maluco ou aflito, me deixou finlandês. Digo finlandês porque esse povo é para mim o ideal humano sem emoções. Enquanto os mediterrâneos se aproximam dos latino-americanos em bile e coração, o finlandês é uma muralha de pedra. Ouvi da boca de um, certa vez, que os russos eram muito passionais. Tinham emoções que eles, os finlandeses, não conseguiam entender. É como estou no momento. 100% finlandês. Alheio e estranho aos sentimentos dos outros e dos meus próprios.
A verdade é que ficar fechado em casa, completamente sozinho, longe de me deixar maluco ou aflito, me deixou finlandês. Digo finlandês porque esse povo é para mim o ideal humano sem emoções. Enquanto os mediterrâneos se aproximam dos latino-americanos em bile e coração, o finlandês é uma muralha de pedra.
Acordo com uma vontade de tomar café. Moer o grão na hora, coar com calma, ouvir uma música calma no processo, com meu pijama de frio e meu poncho, a coberta que carrego comigo para fora da cama. Depois disso, lá por duas da tarde, sinto fome. Aí começo o processo de cozinhar e lavar a louça posteriormente. À noite, dia sim, dia não, sinto vontade de tomar um vinho. Bebo uma garrafa e vou para a cama. Não porque esteja com sono, mas porque não quero estragar o cronograma. Pronto. São as duas ou três coisas que sinto todos os dias. Assisto a um seriado chamado Brooklyn 99 enquanto como e, às vezes, enquanto tomo vinho. Não que seja um bom programa (não é). Mas é fácil e não exige nenhuma emoção da minha parte. É uma espécie de comédia que acontece à revelia da necessidade de causar riso. Recepção passiva em episódios de 20 minutos. Perfeito para um finlandês como eu.
E nessa constante terraplanagem da topografia sentimental do coração, observo os dias indo embora. Tiro uma foto do pôr do sol todo dia, mas não sinto saudades e nem quero ver ninguém. Sinto falta de não tomar vinho nos dias em que não tomo vinho, e isso é tudo. A vida em baixa performance exige pouco, e não barganha razão pura em troca de eficiência. Continuo não fazendo nada. Preciso escrever para A Escotilha e editar um vídeo para o meu canal no YouTube por semana. Uma vez por semana, a ida ao açougue para comprar a ração que preparo para mim — reduzi minha culinária para apenas dois tipos de prato, que alterno conforme os dias — idas à portaria para pegar pacotes e caixas de vinho e um ou outro delivery quando não tenho gana de cozinhar. Parei de tocar violão e não consigo me concentrar em um livro que seja. Sou a moto em marcha lenta parada na garagem, estalando devagar o motor como se esquentasse para uma partida, mas sem partir de fato. Gasto pouca gasolina.
Não se preocupem, estou bem. Ou melhor, estou finlandês. Não sinto tristeza, nem raiva, nem solidão, nem frustração, nem felicidade. Sinto fome, vontade de café e vinho. Mas vinho é dia sim, dia não. A barba e o cabelo crescem, a vaidade se exime na bruma dos dias, não me importo. Estou virando finlandês. Resta saber se ainda guardo alguma latinidade para as ruas. Ou — o que é pior de tudo — se é tudo, para citar o poeta.
Faz dez graus lá fora, mas mesmo assim não consigo dormir com a janela fechada. A Finlândia é aqui.