Era o sonho ver o Flamengo no Maracanã. Foram os dois. De ônibus mesmo. Doze horas de semileito desde Curitiba. Encantados com a possibilidade de assistir ao grande clássico na final da Taça Guanabara. Vitória na certa, o Vasco não era adversário à altura. Valeria o investimento.
A visita à loja oficial do time fazia parte da mini-excursão do fim de semana. Ir bem paramentado ao jogo. Na vitrine, a camisa oficial nova, do ano. Essa mesmo. Duas. Reluzentes no esplendor rubro-negro das listras, escudos e patrocinadores. Mengão, eô!
A visão do Maraca impressionava mais pelo tamanho, mas desencantava nos detalhes. Era a época pré-reforma, nada de muito glamour. Bancadas firmes de concreto fedorento para a geral. O fedor. Não contavam com isso. Ok, futebol é suor, e disso eles entendem, quando pegam os coletes mal lavados do campo de grama sintético onde jogam toda quinta-feira. Mas aquele fedor era diferente. Um fedor de eras geológicas anteriores, eram capaz de exagerar. Parecia que sempre esteve ali. A parede branca amarronzada pela sujeira, a grade verde com a tinta metálica descascando, tudo isso era previso. O tamanho do estádio idem. Mas agora sabiam. O Maraca era enorme e, pelo menos ali onde estavam, exalava um fedor antigo.
A visão do Maraca impressionava mais pelo tamanho, mas desencantava nos detalhes. Era a época pré-reforma, nada de muito glamour. Bancadas firmes de concreto fedorento para a geral. O fedor. Não contavam com isso.
Grandes e fedorentos também eram os três flamenguistas que, eles perceberam tarde demais, estavam olhando para eles do outro lado da rua. Atravessaram para conversar. “Caraca, mané, olha a camisa do cara. É a nova, né? Bonitona. Tira aí, deixa eu ver se fica bem em mim!”, disse o maior deles, a pele lisa dos braços brilhando de suor. “Pô, véi, acabei de comprar, vai rolar não. E nem vai ficar boa, ela vai ficar é pequena pra você”, tentou desmotivar o curitibano, ainda orgulhoso de sua camisa nova que chamava a atenção. “Vai nada. Tira aí, pô, na moral. Vai tirar ou quer que eu tire?”, treplicou, dessa vez firme e com um olhar que não deixava margem à interpretação.
O torcedor grande e fedorento pegou com a mão de pá a camisa nova ao mesmo tempo em que tirava a própria. “Pega aí a minha e vê se fica boa em você”, resmungou enquanto atirava o pano encardido que exalava suor velho. Conseguiu enfiar aqueles músculos gordos, um equilíbrio exato entre muita cerveja e muito exercício físico, naquela pequena camisa reluzente. Parecia ele próprio inteiro reluzir, no pano novo e no suor da praia logo cedo. “Alá, ficou boazona pra mim! Aí, Cabeça, aquela ali vai ficar boa pra tu também”, disse, apontando para o outro, que já sabia o que aconteceria a seguir. Resignado, o amigo também trocou a novíssima pela usada do enorme torcedor que foi chamado de Cabeça. “Ficou boa mermo!”, disse o Cabeça, sorrindo. “Aí, fica com a nossa aí, esse manto tem história, a gente vai ficar com essa, valeu?”, fez troça o primeiro, ao passo em que se afastavam em direção ao portão de entrada.
Por um instante ninguém disse nada. Entreolharam-se calados, impotentes, sem saber o que fazer. Assistiriam o jogo ainda? Que roubada havia sido tudo aquilo. Aos poucos foram tratando de se animar. Pelo menos foi só a camisa, podia ter sido a carteira, o celular, os ingressos, sei lá, enumerando motivos para não deixar o sonho morrer. Adentraram no grande mamute dispostos a esquecer o episódio. Mengão, eô!, gritaram mais uma vez, fazendo festa. Lavaram as camisas velhas no banheiro, esfregaram e torceram bem para sair a água e botaram os panos molhados no ombro. Felizmente andar sem camisa por ali não significava muita coisa, e ninguém ligava.
Fora um outro cara, também imenso, que estava na sua frente na geral e virou de costas, em sua direção, no meio da partida pra mijar entre suas pernas (“aí, playboy, tira o pé daí senão vou mijar nele”, avisou enquanto já colocava o pau pra fora), o jogo foi como o esperado. Comemoraram a vitória de dois a zero contra o Vasco e festejaram noite adentro, bebendo todas as batidas vendidas entre os Arcos da Lapa que conseguiram. No dia seguinte regressaram a Curitiba. Passaram a gostar muito de ver os jogos pela televisão.