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Home Crônicas Yuri Al'Hanati

Meu nome não é Cléber

porYuri Al'Hanati
16 de abril de 2018
em Yuri Al'Hanati
A A
"Meu nome não é Cléber", crônica de Yuri Al'Hanati.

Imagem: Reprodução.

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Um Kafka do século 21. O telefone toca, o DDD é sempre de outra cidade, e muda a cada vez. Quem disca se anuncia como funcionário da Renault e pergunta pelo Cléber. O número sempre foi meu e nunca foi de nenhum Cléber, há pelo menos uma década mantenho o mesmo celular. Minhas tentativas de convencer o interlocutor de que meu nome não é Cléber parecem funcionar apenas em um nível superficial e imediatista. Pedem desculpas e me juram de pé junto que meu número de telefone será descadastrado do banco de dados. A esperança de que tudo aquilo se resolva com uma simples promessa, como em Kafka, dura pouco. Ao fim do dia, um novo telefonema regido pelo signo do deus engano me arremessa de volta para meu trono de herói absurdo, um homem camusiano que se digladia contra uma central de telemarketing movida por engrenagens escusas.

Como provar não ser a pessoa que todos acham que se é? Corro das metralhadoras do teco-teco no milharal como o falso George Kaplan em Intriga Internacional. Nada tenho a fazer a não ser me esconder e torcer para que o mal entendido logo se resolva. É ainda capaz que descubra, como o personagem de Cary Grant, que George Kaplan nunca existiu, e se trata de um laranja forjado para dar os canos na Renault, o pequeno terrorismo capitalista que abala os setores de inadimplência das grandes empresas. O tal Cléber deve, e deve muito, a julgar pela quantidade de ligações que recebo, mas quem garante ser uma pessoa de carne e osso e não simplesmente um número de CPF falso, entre tantos outros? A vida desanda duas vezes por dia, mas entre uma ligação equivocada e outra, continuo com a rotina massacrante de trabalho, estudos, ônibus e alimentos de baixa qualidade nutritiva.

Minhas tentativas de convencer o interlocutor de que meu nome não é Cléber parecem funcionar apenas em um nível superficial e imediatista. Pedem desculpas e me juram de pé junto que meu número de telefone será descadastrado do banco de dados.

Minhas tentativas de convencer o interlocutor de que meu nome não é Cléber parecem funcionar apenas em um nível superficial e imediatista. Pedem desculpas e me juram de pé junto que meu número de telefone será descadastrado do banco de dados. A esperança de que tudo aquilo se resolva com uma simples promessa, como em Kafka, dura pouco.

Experimento todas as reações possíveis. Sou gentil, agressivo, explosivo, ameaçador, triste, orgulhoso, quase honesto, quase mortífero. Nada surte efeito prático imediato. Meu nome não é Cléber, digo, mas continuam a me ligar – não sei até quando. Até a morte de um de nós dois. Eu, a pessoa de carne, osso e sentimentos frustrantes quanto a serviços de telemarketing, ou a entidade obscura que paira sobre minha existência e suspende o tempo e a realidade como o primeiro parágrafo de A Metamorfose. Perco minha individualidade e me torno apenas a negação de outro ser, o não-Cléber, aquele sobre quem nada é possível ser feito a não ser verificar sua existência ou não existência duas vezes ao dia. O tal Cléber de verdade, aquele que muito provavelmente deve dinheiro, também está livre de contato físico com seus credores, agora que as leis de mercado impedem a extorsão de dívidas mediante a fratura imediata das rótulas ou o afogamento simulado.

De modo que o end game dos atendentes permanece um mistério. Fazer pagar alguém que não deseja pagar parece uma tarefa tão hercúlea e sísifca quanto empurrar o creme de barbear de volta para a lata. Enquanto não percebem isso, precisam acreditar na minha palavra, nem que seja por mínimas doze horas: meu nome não é Cléber, repito, meu nome não é Cléber.

Tags: absurdismocamusclébercredorCrônicadevedorenganoherói absurdoHitchcockintriga internacionalkafkarenaultséculo 21telemarketing

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