Fui assistir ao inusitado concerto da Orquestra Sinfônica do Paraná neste fim de semana. Na programação, Messiaen e Honegger em suas facetas místicas. De Honegger, sua famosa sinfonia litúrgica, com uma abertura belicosa e um terceiro movimento estrondoso que se rompe para terminar pianíssimo, nada foi perto da grandiosidade do maluquete francês quando resolve mostrar sua religiosidade. “L’Ascension”, concluída em 1933, é feita de “quatro meditações para orquestra” e representa o fim do ciclo pascoal, com a ascensão de Jesus aos céus em quatro momentos – reflexo da vida do compositor em seu trabalho na Igreja Católica.
Contudo, o resultado dessa passagem bastante cara aos cristãos, na visão do autor de Turangalîla, é algo completamente distante da nossa concepção de música litúrgica, com fraseados galantes, modulações, muitas semicolcheias a perder de vista e contrapontos charmosos. A mística musical de Messiaen revolve em fraseados com poucas e longas notas, destaca-se em poucos naipes – o primeiro movimento é feito pelos metais e apoiado pelas madeiras, enquanto o segundo tem predominância das madeiras, com apoio dos metais e comentários das cordas, e apenas no terceiro há o uso completo da orquestra, com presença marcante dos graves – e busca o sagrado na atonalidade e nos cortes abruptos. De execução extremamente complexa, “L’Ascensión” soaria a um desavisado como uma ópera espacial em que Jesus Cristo embarca em sua nave rumo a seu planeta natal, passando por muitos perigos e monstros dos confins do universo.
A experiência de ouvir Messiaen em sua faceta religiosa traz de volta a subjetividade da espiritualidade e a mística do catolicismo, afogada em certezas dogmáticas que solapam de toda forma o mistério da criação e a estranheza da literatura bíblica.
A experiência de ouvir Messiaen em sua faceta religiosa traz de volta a subjetividade da espiritualidade e a mística do catolicismo, afogada em certezas dogmáticas que solapam de toda forma o mistério da criação e a estranheza da literatura bíblica. Messiaen nos diz, com sua música esquisita, que a fé não é aquele conceito fechado que recende a madeira de genuflexório e talco, mas antes uma moldura sem arestas que comporta múltiplas interpretações. É aceitar não apenas o divino que existe em nós, mas o humano que existe no divino, com todos seus pontos de interrogação sem resposta. Não é uma música para nos elevar aos céus, mas para trazer o céu até nós, uma evocação imperfeita do espírito criador. Perguntar como quem reza e rezar como quem pergunta. Mesmo que a resposta nunca venha.