A caminhada até o supermercado ou o açougue do Cristo Rei mostra que o sucesso é anti-pedagógico. Curitiba, até o momento uma das capitais onde a disseminação do coronavírus era mais controlada, parece querer desesperadamente perder as estribeiras. Casais andam juntos na rua sem máscaras, senhoras idosas papeiam descontraidamente na calçada, vizinhos se abraçam, famílias se reúnem no restaurante da Av. São José, o boteco lota mesmo sem futebol passando na TV. Não era, nem nunca foi o medo quem distribuiu as cartas do jogo mas, antes, a paciência, que se esgota com o prolongamento da situação indefinida.
O que somos, no meio disso? Cansados de observar da janela do apartamento a vida passar, temos um desejo de normalidade em meio ao qual se camufla a boa e velha pulsão de morte – tônica das relações políticas e sociais do Brasil da última década. Trocamos a paranoia pela intemperança e resolvemos nos abandonar às marés do destino, para que o deus cosmos faça conosco o que bem entender. O controle e o poder sobre a saúde não é algo que a maioria possa segurar nas próprias mãos por muito tempo.
A todo momento dietas são sabotadas, descuidos no trânsito aumentam a sensação de caos nas ruas e o autoengano volta a ser o signo sob o qual todos vivemos. Sexta-feira à noite, na Itupava, a garotada se reúne sem dó para paquerar e beber, como se não fôssemos o segundo lugar em número de mortes no mundo, e esse negócio de culpar os governantes pela falta de política pública fica até meio bobo diante da nossa própria incapacidade de autogestão de crise. Não há maoísmo suficiente nas veias da autoridade que nos obrigue ao confinamento.
Curitiba, até o momento uma das capitais onde a disseminação do coronavírus era mais controlada, parece querer desesperadamente perder as estribeiras.
Temo que o insucesso, por outro lado, tampouco possa fazer algo por nosso decadente senso de cidadania. O pudim que se emenda na batata-frita que não dever-se-ia ter comido para começo de conversa é necessário para afirmar o ponto da derrocada na dieta, a admissão da derrota do autocontrole. Da mesma forma, é muito provável que festejemos amontoados em bares e restaurantes nosso fracasso como cidade quando os leitos de UTI forem completamente ocupados e o mundialmente famoso cortejo de caixões em caminhões do exército tomarem as ruas. Somos naturalmente propensos à ludicidade da tragédia, damos risada de absolutamente qualquer coisa, e os milhares de mortos a que famílias dão adeuses todos os dias por conta do vírus é a mais nova piada no cabedal de improváveis anedotas brasileiras. Os cautelosos morrerão pelo relaxamento dos displicentes, mas os displicentes sequer trarão alguma culpa em seus últimos lampejos de vida mental. Servimos para muito pouca coisa, mas, mais especificamente, para duas: rir e morrer.