Neste final de semana, mediei uma mesa com o escritor e quadrinista Lourenço Mutarelli. Foi na Itiban Comic Shop, tradicionalíssima loja de quadrinhos de Curitiba onde o escritor lança todos os seus livros por primeiro, depois de lançá-lo em São Paulo, graças à amizade de décadas com os donos do estabelecimento (uma crônica sobre eles e o lugar, mais tarde, será uma obrigatoriedade). Lourenço, que é um escritor oriundo dos quadrinhos, é um artista como poucos, por várias razões. Mas a razão que gostaria de apontar nessa crônica tem pouco a ver com suas habilidades artísticas.
Tendo contato com ele ao longo de quase uma década, posso dizer que Mutarelli é um dos artistas mais devotados ao seu público, e um dos mais sinceros nesse propósito. Seus fãs olham para ele como olham para uma espécie de figura paterna conselheira e atenciosa, que nunca deixa de corresponder às suas expectativas. Isso porque o autor entrega muito mais do que sua arte ao séquito.
Seus fãs olham para ele como olham para uma espécie de figura paterna conselheira e atenciosa, que nunca deixa de corresponder às suas expectativas.
A partir de suas próprias e tristes vivências, emerge de um lamaçal disposto a cuidar dos seus. A fila de autógrafos na Itiban durou cerca de três horas. Não porque fosse exorbitantemente numerosa, mas porque cada um tinha seu tempo para sentar e trocar meia dúzia de palavras íntimas com o escritor, aquele que espera, aquele para quem ficar bem é uma forma de vingança.
Tendo eu experimentado ser uma figura semi-pública na internet nos últimos anos, posso apenas imaginar o que seja sua dedicação. Sou caótico e desorganizado em meus compromissos, frequentemente não dou conta de entregar tudo aquilo a que me comprometo fazer, e esquecer de responder a uma mensagem ou outra que me chega é quase parte integrada do meu cotidiano. Mutarelli, por sua vez, elenca uma família de filhos e sobrinhos postiços e acolhe a todos como faria um mentor espiritual.
Em toda mesa que mediei com ele, testemunhei o nascimento de um laço comunicacional novo: em uma, se comprometeu a fazer a capa de um disco de metal de um garoto da plateia; em outro, passou seu e-mail para que uma fã depressiva pudesse conversar com ele em momentos de solidão e desespero, e assim por diante. Talvez esse seja um talento maior do que escrever livros ou desenhar quadrinhos: é coisa que não se aprende, e talvez só se desenvolva a partir de uma ausência extrema de amparo maior. Se tornar a mão que nunca lhe estenderam é a maior arma de um revolucionário.
PS: Flip 2011. Valter Hugo Mãe, em sua fala na tenda principal da maior feira literária do país, diz que adotou seu sobrenome “Mãe” porque sempre quis ser pai e nunca teve uma mulher que lhe desse essa alegria, e emenda um comentário elogioso sobre a natureza da mulher e à fortuna que a biologia reservou ao gênero. Diz que já amava o Brasil antes que os brasileiros o conhecessem, e a plateia se derrete. Uma multidão de mulheres se voluntaria para satisfazer o sonho do canastrão. A máscara de quem tem máscara cai nessa hora.