Moro em Curitiba há treze anos, e o comentário geral e mais clichê sobre a cidade é sobre a frieza das pessoas. É uma fama que se propaga para além do comportamento, um desses slogans da era Lerner que perpetuaram à revelia, como Capital Ecológica, Cidade Sorriso e Modelo de Transporte Urbano para o país. Imagino que isso deva ser reflexo de uma caminhada turística pelo centro da cidade. Em contraste com o quê? Porto Seguro, Bahia, onde a economia local sobrevive graças ao turismo? Faz sentido, pois. Por mais parques e monumentos que ostente, Curitiba não é uma cidade turística (foi vendida como tal, é verdade, mais uma dessas famas injustificadas), e desafio qualquer um a se sentir acolhido e amado em uma cidade não turística – para baixo da Bahia, é bom frisar. Aquele povo do nordeste está a anos-luz em hospitalidade, não importa em qual cafundó você se meter.
A verdade é que sim, existe uma resistência grande aos imigrantes e até um certo desprezo por benfeitorias não realizadas por um legítimo paranaense.
A verdade é que sim, existe uma resistência grande aos imigrantes e até um certo desprezo por benfeitorias não realizadas por um legítimo paranaense (o escritor Cristóvão Tezza volta e meia é referido como um autor catarinense, mesmo vivendo aqui desde a primeira infância), mas não é verdade que não haja vida social nem papo-furado em Curitiba. Especialmente, a vida nos bairros guarda em si a alma interiorana da dita cidade grande, a colônia travestida de capital. Um passeio pelas calçadas do Cristo Rei sem muito esforço revela idosas trocando comentários bem-humorados com o motoboy do botijão de gás, vizinhos anônimos que se veem obrigados a conviver uns com os outros por alguns momentos enquanto seus cães se cheiram e não se fazem de rogados diante da situação potencialmente constrangedora, lojistas que perguntam como vão os filhos do cliente, e receitas trocadas entre novas comadres nos portões dos edifícios seria uma cena prosaica demais para ser verdade, mas é. Pasmem vocês, até mesmo o elevador, a zona silenciosa da capital, ganha seu falatório diário. Basta não acordar com o pé esquerdo. Mas se acontecer, tudo bem, também, ninguém vai se intrometer e nem achar o outro um antipático – um dos pontos altos da civilidade curitibana, na minha opinião.
Obviamente isso não cria laços reais entre as pessoas, alguns argumentariam. Concordo, mas também não se pode desconsiderar a importância do papo-furado, a melhor profilaxia contra a formação de doido e outras doenças mentais que a vida na urbe provoca. Ser um estranho em casa é mais grave do que parece, e pode-se colocar o papo furado como uma grande rede de proteção contra esse sentimento horrível. Talvez você não entenda isso até se ver sozinho em um dia muito ruim e ser surpreendido por um estranho de bom humor. Mas talvez entenda sem maiores exemplos. Curitiba não é fria, só que pega no tranco com dificuldade.