O patinete é amarelo e minimalista, como a elétrica dos dias de hoje permite. Liga não com uma chave ou um botão, mas com um aparelho celular, um dispositivo externo e independente. Encaro a máquina sustentado no talvez de acidentes passados. As quedas de bicicleta na fase de transição para as rodinhas, os tombos de skate, os arcaicos walk machines que viravam em um gracioso mortal para trás caso sofressem aceleração brusca. Tive eu a minha justa dose de escoriações com essas pequenas máquinas de mobilidade urbana que antecipam e ensinam às mães a dor do luto. E não sei, sinto que há um caráter público mais grave no estabaco de um adulto, de modo que reluto.
Reluto, mas decido pôr o pé. Agora está ligada, destravada pelo meu celular. Um acelerador e um freio, é tudo o que a máquina pede. Ir e parar. As curvas guiadas pelo guidonzinho, os pés enfileirados na chapa metálica que ligam duas rodas, o olhar paranoico procurando carros e ônibus que podem vir de qualquer direção para causar um acidente. Afinal, são apenas vinte quilômetros por hora – devagar o bastante para ser juntado por outro veículo, rápido o bastante para um acidente mais feio. As rodas são minúsculas, será que aguentam passar em um buraco, ou uma mera rachadura no cruzamento com o trilho do trem já é o bastante para raspar as bochechas no asfalto? Passo destemido, e sinto um solavanco duro, sem amortecimento, mas não perco a estabilidade. Sinto o impacto nos joelhos, constato que segura a coisa certamente não é, mas que tem lá sua parcela de proteção mística aos ousados.
O patinete é amarelo e minimalista, como a elétrica dos dias de hoje permite. Liga não com uma chave ou um botão, mas com um aparelho celular, um dispositivo externo e independente. Encaro a máquina sustentado no talvez de acidentes passados. As quedas de bicicleta na fase de transição para as rodinhas, os tombos de skate, os arcaicos walk machines que viravam em um gracioso mortal para trás caso sofressem aceleração brusca.
Então começo a deslizar pela canaleta do ônibus, ouvindo o som caótico do The Jesus Lizard. Como na época das ladeiras de longboard, sinto-me ultrapassando meu próprio medo na base da velocidade. A irreversibilidade do movimento me deposita de bom grado nas mãos do destino. São vinte quilômetros por hora, quase nada, mas a potencial falta de controle sobre o maquinário faz parecer mais. De repente me sinto meio bobo por ter tido algum receio de pisar nesse patinete. Olho para trás e vejo os acidentes passados, mas também vejo inconsequências imensuravelmente maiores em minha juventude. Poético morrer ou vegetar com uma volta de patinete depois de uma vida inteira fazendo merda.
A vida adulta me deixou bundão, concluo apressado, ignorando o fato de que agora tenho mais a perder do que há quinze ou vinte anos atrás. Mas nem a reflexão posterior me tira o constrangimento. Sinto-me exposto ao perigo e ao ridículo. Um homem feito, diriam em outros tempos, andando de patinete? Faça-me o favor. Não nego, entretanto, que me divirto um pouco, com essa velocidade fajuta, adult-oriented, compartimentada e adequada para a vida na cidade grande. A adrenalina que entende e respeita o outro vai ter de bastar.
Deixo de pensar no que os outros podem estar pensando – nada, muito provavelmente – e me concentro na brisa no rosto, no chão que corre depressa debaixo dos pés, na vida que poderia ser mais fatal e mais emocionante, mas que serve. Ao fim do passeio, uma única palavra vem à mente, uma palavra que resume em tom, importância e grandiloquência o patinete amarelo que deixo estacionado na calçada de qualquer jeito depois de trancá-lo com o aplicativo: ok.