Primeiro foi um. Depois outro. Depois uma casa inteira vagou. Nós sabíamos que não era possível continuar a vida inteira naquela praia isolada no meio de lugar nenhum, mas ainda assim não deixamos de nos consternar quando nosso grupo de amigos começou a debandar para outras cidades. Rio de Janeiro, Niterói, Juiz de Fora, São Paulo, cada um foi para um canto. Até que chegou a minha vez também. Ir embora da minha terra natal foi um processo natural porque inevitável. Era preciso estudar, evoluir, para muito além do ensino fundamental, teto da educação no lugar.
Fui embora mais uma vez quando terminei o ensino médio, dessa vez da cidade da minha mãe e de meus avós. Trouxe comigo pouca bagagem física, mas uma infinidade de bagagem emocional que me atrasa a vida até hoje, de maneira que não foi uma partida traumática pra mim. Era melhor daquela maneira, sabia disso.
Mas agora, aos 30, vejo meus amigos debandarem de novo do que eu considerei ser uma cidade grande quando aqui pus os pés pela primeira vez. Claro, tinha até semáforo (ou sinaleiro, como chamam por aqui). Os poucos que restam me falam de seus planos para um futuro próximo e, pelas minhas contas, não vai sobrar quase ninguém. Alguns indo estudar na Europa, outros fazendo retiro espiritual na Ásia, uns adotando seriamente para a própria vida essa insanidade de morar nos Estados Unidos e outros de fato formando família no Canadá e na Nova Zelândia. E eu aqui. Dessa vez não era inevitável. Poderíamos continuar aqui se continuar aqui não representasse a olho nu uma grotesca estagnação na vida. Se Curitiba não tivesse se tornado pequena com suas pequenezas. Se nossa história pudesse comportar a ambiguidade de ser um peixe mais ou menos em um aquário de tamanho igualmente mais ou menos sem que houvesse dúvidas a respeito do tamanho real das coisas. Mas podemos ver. Curitiba ficou pequena para alguns amigos.
Ir embora da minha terra natal foi um processo natural porque inevitável. Era preciso estudar, evoluir, para muito além do ensino fundamental, teto da educação no lugar.
Quem tem dinheiro, vai. Quem não tem, se arrisca. Mas ninguém está deixando de ir. Apesar de todas as boas iniciativas, práticas e ideias que brotam nesta capital todos os dias, a certeza de que é preciso ir embora daqui não se esvai. É bom ir enquanto jovem. A partir de uma certa idade, mudar de vida ou é o começo do exílio ou matéria de jornal, mas nunca um passo dado de maneira despercebida e sem um peso significativo na contagem final dos erros e acertos. E quanto mais amigos se vão, mais a ideia de ir também coça no coração. Ficar se torna resistência, obstinação, teimosia, desistência, derrota, nessa ordem exata. E ficar é ficar sozinho. E nunca mais ser olhado da mesma forma por quem foi, viveu e voltou.