Ah, que inveja eu tenho desses moços e dessas moças fortes. “Faz mais de dois anos desde que eu fiquei doente pela última vez”, bradam e batem no peito sadio, nenhum som de muco sai do golpe de ar que deixam escapar. Nem com estetoscópio. Se todo mundo é meio zicado e tem um nariz escorrendo, só a bailarina que não tem, eu devo estar rodeado pela trupe do Bolshoi. Só encontro esses semi-deuses sadios, dos quais já estou farto, aliás. Enquanto as bolinhas de papel higiênico se acumulam na lixeirinha colocada meticulosamente do lado da cama, estão lá, correndo dez quilômetros às sete da manhã e parando para tomar açaí e água de coco debaixo de um sol lindo e igualmente saudável, que não causa carcinoma algum e que bate no Brasil inteiro, menos nesse brejo acinzentado.
Como duas bananas na esperança de ser saudável, me sinto vazio. Aí como uma caixa de nuggets e me sinto estufado. Os pés suam com meias e congelam sem elas. Ter o meu corpo é um desconforto que só.
Descamações de pele, súbitas coceiras de olho, cefaleias inexplicáveis, alergias mil, uma parte que dói enquanto a outra coça e nenhum fármaco melhora nada — quando muito abranda a derrocada do corpo reduzindo tudo a um estágio de letargia e dormência. Uma espiada enferma pela janela e meu James Stewart interior se assombra com a vida em abundância lá fora. Ninguém sendo assassinado, pelo contrário! Aquelas crianças já estão jogando bola na quadra do condomínio há três horas enquanto outras, mais novas, dão voltas e voltas de bicicleta ao redor. Os vizinhos na sacada tomando cerveja em corpos impassíveis diante da bomba de carboidratos líquidos que ingerem semanalmente, os skatistas na canaleta sequer suam e os cachorros abanam as caudas com uma energia que me cansa só de olhar.
E eu aqui. Quanto mais durmo, mais sono tenho. Pedaços de papel higiênico voam e grudam na barba e nas roupas a cada assoada mais violenta e desesperada por extrair o último resquício de ranho do organismo. Como duas bananas na esperança de ser saudável, me sinto vazio. Aí como uma caixa de nuggets e me sinto estufado. Os pés suam com meias e congelam sem elas. Ter o meu corpo é um desconforto que só. Ao redor, a casa acumula cheiro de mofo, poeira e marcas de infiltração, não importa o quanto se limpe e se varra por aqui. Impossível seguir em frente nesses termos. Resta o repouso e a esperança de que as sensações melhorem, mas não muito mais do que isso.
“Desde que eu comecei a tomar banho gelado e tomar um copo de água com limão e cúrcuma pela manhã, nunca mais entrei numa farmácia”. Ótimo. Já sei onde posso me esconder do mundo.
