O papelão, branco de um lado e marrom do outro, já meio amassado, ganhou na pena os enfeites de seu Hamilton. Escreveu “Camaleão” em canetinhas hidrocor verde e amarela, a palavra solta no fundo branco e ladeada por bolinhas coloridas com as mesmas cores. Fanfarrão que só ele, o seu Hamilton. Equilibrando o oclinhos no nariz batatudo, o único pedaço não enrugado da cara, mirou o papelão entre arestas do terrário e prendeu ele ali, encaixando as pontas na junção da tampa com o vidro. Na verdade o que o aviário vendia era só o terrário vazio, uma construção belíssima de areia, pedras falsas e verdadeiras misturadas, vegetação de plástico e os demais apetrechos para manter a temperatura do animal de sangue frio. Termostato, manta térmica, aquela coisa toda.
Deixou a placa ali e voltou correndinho pra trás do balcão, tal qual moleque travesso, para espiar a reação dos clientes. Veio o primeiro. Olhou confuso para o terrário, circulou o vidro até onde dava à procura do camaleão inexistente, enquanto seu Hamilton fazia seu próprio safári de observação. Estudava as reações do cliente e calculava o que devia se passar na cabeça dele a cada momento, se deliciando com as possibilidades. Cadê o camaleão, aquela criatura curiosa rompeu o silêncio finalmente. Está aí, não tá vendo? Ele se camufla quando se sente ameaçado, disse seu Hamilton, prolongando a mentira que fazia a diversão de sua manhã. O cliente, resoluto, se afastou do terrário vazio e tentou espiar à distância, mas seu Hamilton lhe garantiu que estava muito perto ainda. Venha pra esse canto, recomendou, e lá ficaram, seu Hamilton e o cliente, espiando o terrário vazio.
Cadê o camaleão, aquela criatura curiosa rompeu o silêncio finalmente. Está aí, não tá vendo? Ele se camufla quando se sente ameaçado, disse seu Hamilton, prolongando a mentira que fazia a diversão de sua manhã.
Foi quando chegou um segundo cliente, atraído diretamente para a placa do camaleão, mas o cliente lhe advertiu venha pra cá, ele está camuflado, a gente está tentando fazer ele aparecer. E o cliente, como se a desconfiar, espiou o terrário mais de perto esperando ver um camaleão invisível se revelar nos contornos transparentes, tal qual o monstrengo do filme O Pedrador. Sem sucesso na análise mais detida do viveiro, correu para perto de seu Hamilton e o primeiro cliente. Mas é um camaleão mesmo? Ele sempre faz isso, perguntaram os transeuntes que agora estavam acocorados atrás de um aquário junto com seu Hamilton. O velho junto dedo aos lábios para pedir silêncio, senão ele não sai da camuflagem.
Como a atração do dia ficava relativamente próximo à entrada da loja, todos os clientes que ali se achegavam para espiar o camaleão eram atraídos para o canto do recinto com um psiu a meia voz e um gesto de braço amplo por parte dos clientes silenciosos, que tratavam de explicar aos novatos o que pretendiam ali, encurralados. E como nenhum deles realmente dava mostra de já ter visto um camaleão na vida real ou de entender alguma coisa sobre camaleões, pressupunham a situação a partir dos desenhos animados e lá quedavam, quietos, distantes e imóveis. Em meio à meia dúzia de passantes, seu Hamilton se espremia, se divertindo ainda mais do que os outros, exultantes em expectativa pelo camaleão.
O último visitante que entrou na loja chegou falando alto Bom dia, cadê todo mundo, no que ouviu-se um aaaahh coletivo de decepção em voz alta. Visível no rosto a confusão, e perguntou, logicamente, o que diabos estava acontecendo ali. A gente estava aqui pra ver se o camaleão saía da camuflagem, e foi aí que o freguês barulhento pareceu notar o terrário. Ah, exclamou, deixa eu ver. E circundou o vidro como todos os anteriores a ele, mas quando se interpôs entre o grupo e o objeto da curiosidade de todos, exclamou Ah, olha só pra ele, que bonitinho! No que todos voaram de trás do aquário para ver finalmente a droga do camaleão. Mas só encontraram o mesmo terrário vazio. Onde? Onde? As pessoas exigiam respostas do último visitante. Mas ele lamentou, cabisbaixo, vocês assustaram ele de novo. O muxoxo foi geral e cortou a loja inteira. Todos foram saindo e reclamando da loja, insatisfeitos com a inexorabilidade do tempo que não volta mais, desperdiçado em busca de um camaleão medroso. Ficou só seu Hamilton. Veio lá de trás, curioso, e foi conferir que camaleão era aquele que o último visitante tinha visto, afinal. Olhava, olhava, e não achava. Mas teimava em continuar olhando. Ficaria ali quanto fosse preciso.