Há uma grande probabilidade de que eu esteja em meio a um processo de deslocamento gigante enquanto você lê este texto. Gosto assim. Viajar para aqui ao lado tem menos graça do que pisar em terras longínquas que jamais sonhei pisar, é preciso admitir e largar os moralismos de lado. É grande o prazer de abandonar momentaneamente o lar, abdicar do conforto, dizer até mais aos amigos e a toda rotina que para alguns é porto seguro e para outros é morte assistida.
Juntar as economias do ano para se espremer em um avião de longo curso rumo a outras civilizações, provar novos sabores, experimentar novos aromas, tentar entender a língua e o dinheiro – coisas que essa gente que faz cruzeiro jamais vai desejar para si – para mim sempre foi parte de um processo de autodescobrimento que, ao mesmo tempo que é investimento, é um fim em si mesmo. Filosofias de vida que Camus e os personagens de Easy Rider partilhariam se pudessem conversar, enfim.
Juntar as economias do ano para se espremer em um avião de longo curso rumo a outras civilizações, provar novos sabores, experimentar novos aromas, tentar entender a língua e o dinheiro para mim sempre foi parte de um processo de autodescobrimento.
É necessário um certo gosto pelo exílio, mesmo que um exílio passageiro. Verdade. Não entender palavra dita nas ruas, não reconhecer como familiar nenhum dos rostos vistos todos os dias, nada que lembre qualquer ideia de raiz que se possa ter é experimentar um tipo muito particular de solidão que só acomete os viajantes e os migrantes. Diante dela, coragem e a consolação da companhia de si mesmo, é claro, mas também, um permanente estado de espírito que celebra os encontros fugidios, o acaso e um pouco de sorte como parte fundamental de uma vida feliz. Não há a possibilidade de viajar com o azar na bagagem.
Imprevistos que são evitados até em pensamento podem botar tudo a perder. Uma intoxicação alimentar, um dente que precisa ser arrancado, um acidente ou um roubo são os demônios do viajante mas, de novo, a sorte precisa estar junto, e não há espírito de aventura que não considere todas essas possibilidades. A lição maior é que a viagem não é diferente do dia a dia a não ser pela ilusão de segurança que há na segunda. É o que é: ilusão. Viver é perigoso, dizia o escritor que também era poeta. Mas tudo é lindo e maravilhoso, completaria Caetano, não menos poeta (ok, um pouco menos).
Viajar para se perder ou viajar para se encontrar, não importa. São experiências complementares como em Espinosa. Me encontro na esperança de não me perder e me perco no medo de não me encontrar. É parte da viagem, é parte da vida.