Existe uma solidão que se sobrepõe até mesmo à solidão anterior, a solidão do cotidiano: a solidão durante a Copa do Mundo. Observo os festejos, os comentários, as reuniões para comemorar e assistir aos jogos de futebol mais importantes da década (cada uma tem dois eventos desse tipo) e algo me impede de me unir a meus compatriotas na felicidade extasiada com que se abandonam nas horas mais improváveis do dia. Não é a consciência política sobre a alienação – que, este ano, está sendo atacada mais do que nunca com a fúria dos que não querem se sentir culpados por querer se esquecer momentaneamente do regime de exceção que vivemos por esses dias – nem mesmo a falta de gosto pelo esporte, que é compartilhada por uma multidão que, não obstante, se comporta como outro aficionado qualquer durante o período do mundial, o impostor só sendo desmascarado pelos puristas do esporte inglês na sua inata falta de jeito com o cotidiano futebolístico. É uma indiferença custosa para o emocional de qualquer um já acostumado a andar pelos cantos e que, ainda assim, impera sobre o esforço que se faz para tentar ficar feliz com a pequena bola que balança a rede e provoca um cataclismo sobre a superfície terrestre – com poder de alterar eleições, dizem.
Meu trabalho vai parar durante os jogos do Brasil na Copa do Mundo da Rússia. As horas ociosas não serão descontadas de nossa folha de pagamento nem se exigirá qualquer tipo de compensação. As ruas ficam desertas e isso é muito bom para quem sempre olhou para a trincheira permanentemente engarrafada da Visconde de Guarapuava e desejou vencê-la em cima de um longboard (já fiz isso, inclusive, em uma madrugada véspera de Corpus Christi, em 2014, foi legal). Tenho aí alguns motivos para me animar, sem falar na oportunidade ímpar de, pelo menos alguma vez na vida, me sentir pertencente a um chão e a um povo. Mas a tentativa é infrutífera, e aos 15 minutos de jogo, já me impaciento com o falatório desnecessário dos comentaristas, a overdose de anúncios ao redor do campo e nas vinhetas da TV, as conjecturas sobre os pequenos gestos dos jogadores e os dramas paralelos sem emoção que se desenrolam nos campos do gramado. O jogo para a cada dois minutos com alguém rolando dramaticamente pelo gramado e a Suíça faz um gol de empate para o dissabor da equipe televisiva que passa a atacar o juiz, claramente favorecendo a outra equipe.
Nesse momento, estou em comunhão com o país. O silêncio que precede um improvável empate casa bem com o meu estado de espírito. Sou parte dessa nação acanhada. Sou brasileiro.
Volto às minhas coisas, então. Organizo uma coleção de revistas, faço o fichamento dos últimos vinhos que bebi (a lembrança do carvalho americano daquele roble mais vívida do que o último escanteio batido momentos atrás), abro uma nova garrafa. Quando eu vejo, a partida já acaba e os comentaristas se concernem com o resultado. Nas ruas, exclamações malcriadas eclodem aqui e ali, uma vuvuzela solitária corta o fim de tarde no bairro. Algumas buzinas descontentes, e o silêncio volta a imperar. Nesse momento, estou em comunhão com o país. O silêncio que precede um improvável empate casa bem com o meu estado de espírito. Sou parte dessa nação acanhada. Sou brasileiro.