Voltei de Paraty, essa semana. A cidade turística, com seu centro histórico barroco e urbanismo impraticável, foi minha morada pelos primeiros 14 anos da minha vida. Ou quase. Pela geografia municipal do estado do Rio de Janeiro, era possível habitar a mesma cidade e só acessar seu centro depois de 50 quilômetros pela Rio-Santos, então posso dizer que nasci e me criei cidadão paratiense. Mesmo para uma criança, jantar no centro histórico de Paraty podia ser um acontecimento (é um acontecimento ainda maior se você mora num lugar que não tem um mísero restaurante, mas isso é outra história já contada por aqui).
Ao longo da última década, Paraty conquistou para si o status de anfitriã de uma extensa programação cultural que se estende ao longo do ano. O que antes se resumia a algumas festas religiosas e regionais, como a Festa do Divino, a Festa da Pinga e as comemorações de Corpus Christi logo se estendeu para abrigar eventos da elite, como o festival Bourbon de Jazz, o festival de Blues, o festival de fotografia Paraty em Foco e a já tradicional Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), motivo da minha viagem fora das férias.
Lembro de um episódio de South Park em que o ator Robert Redford, que organiza o festival de cinema de Sundance em Park City, no estado de Utah, está cansado do jet set instaurado na cidade e traz o evento para a cidade de South Park, que é simples e não foi explorada pelos ricaços de Holywood. A cidade se torna um inferno e seus cidadãos começam a se incomodar com o que a cidade se tornou.
Paraty, que fica no meio do caminho entre as capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo, não é diferente. O lugar fica tomada de turistas durante a Flip, ultrapassando em muito a população local. Acontece aí a mágica junção da vontade carioca de extorquir qualquer pessoa com a vontade do paulista de rasgar dinheiro, e então Paraty se torna insuportavelmente cara, com tudo o que tem direito, de ambulantes a taxa para usar o banheiro de estabelecimentos – uma livraria me cobrou três reais para que eu, de maneira civilizada, fizesse o xixi historicamente feito atrás da igreja sem taxa de administração.
Paraty, que fica no meio do caminho entre as capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo, não é diferente. O lugar fica tomada de turistas durante a Flip, ultrapassando em muito a população local. Acontece aí a mágica junção da vontade carioca de extorquir qualquer pessoa com a vontade do paulista de rasgar dinheiro…
A Flip cresceu de tamanho, ao ponto de reconhecer muito pouco da cidade sede para além das casinhas e do calçamento histórico de pedras – já ouvi esse ano alguém comentando que iria detonar a questão da acessibilidade de Paraty em sua coluna de jornal. Em algum momento, me senti mais ou menos e longinquamente devem ter se sentido alguns índios quando os conquistadores chegaram. Testemunhar a cidade natal se metamorfosear em um território hostil e excludente é uma tarefa que envolve milhões de reais, glamour arquitetônico e a malandragem de quem só quem sabe estar sentado em cima de uma mina de ouro pode praticar. O jeito é esperar os ricos se cansarem da própria grã-finagem e carregarem a coisa pra outro lugar.