Abro as cortinas e olho pela janela. A cidade inteira se desvela sem dificuldade a partir daqui, do último andar desse prédio sem concorrentes na região. Algumas poucas torres solitárias nesta rua que desfrutam do mesmo privilégio. Até onde a vista alcança, está Curitiba. Se estiver com o oftalmo em dia, é possível ver Araucária também. É possível observar o novo templo evangélico em construção e dois estádios principais da cidade, além de viadutos, garagens de ônibus, hospitais, vias expressas e a linha férrea que ensurdece o mundo com seus trens obsoletos.
Por aqui, só o que se aproxima é o trem e a tempestade. O resto continua na paisagem imutável, como um painel pintado em um filme antigo para simular uma cidade de dentro de um estúdio de cinema.
Não é possível, diante de tanta informação, se ater a qualquer detalhe. Um James Stewart com o pé quebrado do alto dessa janela não renderia nenhuma trama para Alfred Hitchcock. Tudo está longe demais, impessoalmente distante e reciprocamente indiferente. Queimas de fogos que espocam no horizonte, um avião que corta o céu rumo ao aeroporto, uma revoada de pássaros às cinco e meia da tarde. O condomínio do lado tem uma quadra poliesportiva que permite observar crianças chutando bolas e andando de bicicletas, mas é só. Nada nem perto da emoção de um prédio do centro da cidade, com suas discussões passionais à luz do poste, com suas prostitutas, assaltantes e outras estrelas do submundo da cidade grande. Por aqui, só o que se aproxima é o trem e a tempestade. O resto continua na paisagem imutável, como um painel pintado em um filme antigo para simular uma cidade de dentro de um estúdio de cinema: se algo se move ou não, não faz tanta diferença.
À noite, as nuvens carregadas refletem as luzes da cidade e deixam o céu sem estrelas, numa tonalidade triste de marrom. Assim como a cidade parece distante, também eu me sinto distante dela. Quem sabe um trip hop combinasse bem com essas janelas acesas a essa hora, quem sabe um trompete triste de Miles Davis tocando para um filme do Truffaut. Mero observador malogrado da vida que se desenrola lá embaixo, longe dos pés e dos olhos. É tudo céu e concreto. O mar já não bate em minha porta e hoje um pouco menos em meus pés, dizia aquela música. Quando será que vai fazer um sol de novo?