Às vezes, é verdade, certos temas que passamos a vida inteira a esquivar se mostram urgentes – não de uma urgência de ideias, o textão como agente transformador do mundo não faz o meu gênero, mas a urgência poética de um texto que precisa ser parido. Um eufemismo pra ideia fixa e falta de criatividades maiores, obviamente. Pois bem, evitei enquanto pude o subgênero da crônica contra-as-tecnologicas-e-a-sociedade-que-não-larga-o-celular, mas chegou a hora. Para minimizar os efeitos deletérios desse tipo de escrito prometo: 1- não usar termos cibernéticos com a falta de familiaridade peculiar dos cronistas (epa, cibernético pode? Nunca vi ninguém acostumado a mexer em computador falar em coisas cibernéticas. Também não vejo ninguém claramente não acostumado com smartphones falar em “mexer no computador”. Acho que estou só me complicando nesses parênteses), como “like”, “tuitada”, “seguir de volta” e “dar match”; 2- colocar a robotização da humanidade como consequência lógica e natural de nossos vícios em redes sociais. De modo que o que teremos aqui nos próximos parágrafos será apenas uma breve observação comentada, uma droga leve diante das que andam vendendo por aí para alunos da yoga desesperados por retornar a um estado de humanidade do qual nunca saíram, mas também no qual nunca estiveram.
Estamos, sim senhores, conectados à nossa realidade, reocupando as esferas do mundo, objetificando o universo, observando tudo de dentro, Zorn und Zeit, o triunfo do medo como reencantamento do universo.
Eis o que queria comentar: o excesso de segurança pública mata o flâneur moderno. Esqueça o shopping center e se concentre numa utopia civilizacional digna de um terceiro mundista como é, digamos, o centro de Copenhagen ou Estocolmo. Zero assaltos a mão armada acontecendo, nada de furtos, assédios, nada. Apenas a harmonia entre cidadãos assalariados indo e voltando de seus trabalhos. O que fazem essas criaturinhas libertas? Teclam enquanto andam, sobem os olhares apenas para se certificar que não estão prestes a bater em um poste e voltam para suas vidinhas virtuais tão mais interessantes e felizes. Sem espaço para a contemplação. A vida que se espreita nas esquinas, as lojas nos andares de cima dos prédios que se descobre olhando para cima, o vagar descompromissado da criação de Walter Benjamin, morto, morto e morto.
O que me dá impulso para o salto lógico a seguir: a observação nasce do medo. Somos a nação de flâneurs que somos porque precisamos ficar atentos. Os assaltos, os motoristas desgovernados, o lixo que se despeja impunemente na calçada são a pederneira que usamos para iluminar novamente o mundo ao redor. Quem é que anda olhando para o celular nas ruas desse país hoje em dia, afinal? Estamos, sim senhores, conectados à nossa realidade, reocupando as esferas do mundo, objetificando o universo, observando tudo de dentro, Zorn und Zeit, o triunfo do medo como reencantamento do universo. Parecemos flâneurs, mas estamos assustados. Entre um susto e outro, nascem as impressões sobre a vida, a habitação das cidades e crônicas definitivamente melhores do que esta.