O publicitário e cineasta Renato Terra tem dedicado sua carreira a registrar boa parte da história da cultura popular brasileira. Em seu currículo, já estão documentários como Uma noite em 67, que resgata o Festival de Música Popular Brasileira, ocorrido em outubro de 1967, Narciso em férias, que trata do período de prisão de Caetano Veloso durante a ditadura militar, entre vários outros filmes marcantes.
Recentemente, ele estreou na Globoplay a série documental Um Beijo do Gordo, que, em quatro capítulos, busca evidenciar a vida e a carreira de Jô Soares, um dos grandes gênios da TV brasileira. Nesta entrevista exclusiva à Escotilha, Renato fala sobre a dificuldade para escolher o que retratar dentro de uma história tão profícua, e sobre a possibilidade que um artista completo como Jô surja novamente neste veículo.
Escotilha » A série Um Beijo do Gordo faz um grande trabalho de pesquisa de momentos marcantes dentro de uma carreira imensa, como foi a do Jô Soares. Ao mesmo tempo, os episódios desenvolvem temas específicos com profundidade, ao invés de abordar muitos assuntos de forma mais apressada. O quão difícil foi selecionar histórias e cenas do Jô para exibir na série?
Renato Terra » Um dos maiores desafios foi encontrar um raciocínio para organizar cada episódio. Esse foi o primeiro passo. Decidi que os episódios teriam grandes temas e que todos os assuntos relativos a esse tema não transbordariam para os outros. No primeiro episódio, tracei a linha do “humorista” e decidi que não teria nenhuma cena do Jô Soares entrevistador. Era uma regra muito fácil de ser quebrada, mas foi importante pra dar unidade pra série.
No episódio 2, sobre o Jô Soares Onze e Meia, conseguimos ver a consolidação do programa. Como colocamos ali somente imagens do Jô Soares Onze e Meia, é possível ver como o cenário foi evoluindo, como o Derico se tornou uma peça fundamental, como o programa foi se formando. E assim por diante, cada episódio com sua “prisão”. Isso nos ajudou a organizar a quantidade infinita de coisas espetaculares que o Jô Soares realizou.
“O Jô mudou o jeito de se fazer humor na TV”.
Renato Terra
Algo que me chamou a atenção é que, mesmo que seja claramente uma homenagem, a série não evita tratar de certas “polêmicas” (como a ida do SBT para a Globo, uma certa rusga com Fábio Porchat) de alguém que, de alguma forma, tinha um respeito unânime das pessoas. Havia uma intenção de fugir de uma narrativa apenas elogiosa?
A intenção sempre foi fazer um documentário e não uma homenagem. Acontece que, ao mergulhar na personalidade do Jô, é impossível não ressaltar suas qualidades geniais, seu pioneirismo, sua coragem e sua generosidade. Isso é parte inseparável da personalidade dele. E eu acredito muito no documentário que tem a ambição de trazer em imagens, sons e sentimentos a personalidade do retratado. Falo muito sobre isso no Curso de Documentários que gravei e está disponível no meu site.
Jô Soares foi, sem dúvida, uma pessoa única na TV brasileira, com um grau de erudição raro para o veículo. Ao realizar essa série documental, você teve algumas percepções a mais sobre a sua importância para a construção da TV brasileira? Há alguém que hoje se aproxima minimamente do papel que ele desempenhava?
O Jô talvez seja a personalidade mais original da TV brasileira de todos os tempos. Desde que ele estreou, a grande atração era a personalidade dele. O Jô mudou o jeito de se fazer humor na TV. Depois mudou o jeito de se fazer entrevistas na TV. E tudo tinha o seu DNA. As pessoas ligavam a TV pra ver o Jô. Eu acho que a TV mudou muito desde que o Programa do Jô saiu do ar. Tudo hoje é mais fragmentado, disperso. Por isso, acho difícil aparecer outro Jô.
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