Quando Belchior (1946 – 2017) desapareceu, por volta de 2007, estava apenas materializando o seu sumiço, que cantara em “Comentário sobre John”, de 1979. Sem gravar canções inéditas há tempos, o sobralense – que na década de 1970 se tornara um mito da música popular brasileira ao misturar Beatles e Gonzagão – estava mais interessado em viver seus delírios em experiências com coisas reais, como disse na faixa que dá título ao icônico Alucinação (1976).
Uma década após correr o sul do Brasil, e passar um tempo no Uruguai, Belchior morreria em seu exílio voluntário – que serviu também para colocar novamente holofotes sobre sua obra e, claro, sobre a sua vida. Tributos pipocaram pelo país quando sua obra-prima completou 40 anos em 2016, mas também nenhuma homenagem tenha sido maior que o livro escrito pelo jornalista Jotabê Medeiros. Belchior: apenas um rapaz latino-americano é um importante regaste artístico de um dos nomes fundamentais do cancioneiro popular tupiniquim.
A biografia é o resultado de entrevistas, pesquisas e peregrinações aos santuários belchioranos. Jotabê é um autor sagaz: mais interessado nos aspectos pessoais que ajudaram o compositor de “Como os nossos pais” a criar um trabalho seminal que nos fatos pouco confiáveis que abundaram o noticiário nos últimos anos. Seguindo a escola de Truman Capote (1924 – 1984) e Gay Talese, [highlight color=”yellow”]Medeiros estrutura sua narrativa à guisa de um romance não-linear e muito bem construído.[/highlight]
[box type=”note” align=”alignleft” class=”” width=”350px”]
Leia também
» Há 40 anos, Belchior lançava ‘Alucinação’
» A justa e necessária alucinação de Belchior
» O melhor intérprete de Belchior sempre foi ele mesmo
[/box]
Como explica o autor, Belchior: apenas um rapaz latino-americano é a história de um “migrante às avessas”, um homem capaz de abandonar o curso de medicina para viver o sonho de sair de casa para morar em uma construção inacabada no centro de São Paulo – história que contaria em “Fotografia 3 x 4”.
Ainda que o livro não se proponha a ser uma verdade absoluta, haja vista que seu personagem é, por si só, um sujeito mais interessado em “mudar as coisas”, Jotabê esmiúça questões delicadas como a briga com Fagner, o período sex symbol e suposta influência de Edna, sua última esposa, na escolha de deixar tudo para trás. No mesmo embalo, [highlight color=”yellow”]é uma oportunidade para compreender o quebra-cabeça de referências e citações[/highlight]: Poe, James Dean, Galeano, Dylan.
Aí, está o espírito de um trabalho como o de Jotabê Medeiros: fazer com que todos rios possam convergir à mesma foz.
E isso, apesar de provar que Belchior foi um artista-maior e atemporal, não foi estopim para o estrelismo, para que esquecesse sua origem e sua coragem. “A minha história igual à tua”, cantaria, para completar: “eu sou como você”.
Paralelas
Belchior: apenas um rapaz latino-americano surgiu de uma encomenda editorial. A escolha do personagem seu deu “porque todos os perfis biográficos que eu gostaria de fazer já foram feitos”. Nada disso, entretanto, é capaz de obscurecer a devoção de Medeiros ao homem que escolheu para retratar. Cada linha da biografia parece lapidada, não por um fã ardoroso – como é comum no gênero –, mas por alguém interessado na precisão da História.
A vida, como diria Belchior, até pode ser muito pior que a ficção cantada na canção. Talvez porque as histórias paralelas correm sem que seja possível entendê-las até que se chegue ao momento derradeiro. Aí, está o espírito de um trabalho como o de Jotabê Medeiros: fazer com que todos rios possam convergir à mesma foz.
[box type=”info” align=”” class=”” width=””]BELCHIOR: APENAS UM RAPAZ LATINO-AMERICANO | Jotabê Medeiros
Editora: Todavia;
Quanto: R$ 30,90 (240 págs.);
Lançamento: Agosto, 2017.
[button color=”red” size=”small” link=”http://amzn.to/2yqSUPl” icon=”” target=”true” nofollow=”true”]Compre na Amazon[/button][/box]