A morte do escritor argentino Ricardo Piglia no último dia 6 não surpreende – muito mais pelo seu estado de saúde que pela sua idade –, mas simboliza um vazio que começa a se construir na literatura latino-americana. Não que não existam nomes de peso na nova geração, Alejandro Zambra é um exemplo, mas os autores formadores daquilo que entendemos como a produção literária dos países latinos, aos poucos, estão indo embora: Gabo, Carlos Fuentes, Ernesto Sabato e, claro, Fernández, Borges, Cortázar. Podemos incluir nessa conta macabra até mesmo Bolaño, mas isso já é uma generosidade mórbida.
Voltemos ao Piglia. Ele não foi apenas um autor seminal, foi também um importante leitor, capaz de impulsionar, por meio da sua leitura, outros escritores. Pode-se dizer que Piglia é membro de um círculo estreito, do qual fazem parte também Borges e Mengel, seus compatriotas, e o catalão Vila-Matas, de autores que fazem literatura sobre a ela própria e também sobre o prazer da leitura. Em O Último Leitor, Piglia deixa isso muito claro. O mesmo acontece na autobiografia Los Diarios de Emilio Renzi, que dos três volumes previstos já teve dois publicados e que é também uma espécie de Ensaio Autobiográfico borgeano.
Essa posição, quase de guerrilha, cria um fio de esperança em meio aos livros bizarros que se assomam nas livrarias. Ricardo Piglia sempre foi um defensor da literatura como arte, mas sem que para isso fosse preciso excluir o leitor.
Isso explica o porquê o criador de Respiração Artificial jamais acreditou no fim da literatura. Em uma entrevista datada de 2013, Piglia é enfático ao dizer que a leitura literária ainda seduz e assim será no andar do tempo. Para ele, a chave está na ludicidade que permite e no caráter rizomático que a literatura carrega consigo desde os tempos da oralidade. “Creio que a leitura persistirá, e a leitura literária estará sempre na vanguarda, porque é a mais lúdica e a mais complexa. Depois, como serão as formas futuras de dos modos de ler ainda são incógnitas. Há uma frase de Borges que hoje soa profética, porque é de 1951, está em ‘Nota sobre Bernard Shaw’, em Otras inquisicionaes: ‘Se me fosse outorgado ler qualquer página atual (esta, por exemplo) como a lerão em 2000, eu saberia como será a literatura do ano 2000’. As formas de ler são a chave e definem o que entendemos por literatura. De modo que não tenho dúvidas sobre o que está por vir e o futuro da leitura, porque sem esta prática é difícil imaginar que o mundo possa existir para nós”, esclarece com uma sabedoria ímpar.
Essa posição, quase de guerrilha, cria um fio de esperança em meio aos livros bizarros que se assomam nas livrarias. Ricardo Piglia sempre foi um defensor da literatura como arte, mas sem que para isso fosse preciso excluir o leitor. Piglia nunca foi um escritor para escritores. Se fosse possível compará-lo a Borges ou Cortázar nesse quesito, estaria mais para o último – embora seja impossível tal emparelhamento.
A Arte
A morte é sempre nefasta entre os artistas. Por mais que sua obra permaneça, ninguém ocupará o seu lugar, há sempre um luto perpétuo ao lermos um livro, deleitarmos uma pintura ou assistirmos a um filme. Cada página que viramos é como se ainda chorássemos a sua morte, mas choramos com estilo e honrarias de estados. Choramos colocando no mundo terreno aquilo que há de mais precioso e estimado: a arte em seu estado puro, puro e simples – naquilo que chamam de devoção.