O autor Alejandro Zambra já é digno de um capítulo à parte na história da literatura latina, especialmente na hispânica. Próximo de completar 40 anos no próximo dia 24 deste mês, o escritor de obras como Bonsai, A Vida Privada das Árvores e dos contos Meus Documentos (todos lançados pela Cosac Naify) foi agraciado com uma bolsa de estudos na Biblioteca Pública de Nova York.
O escritor chileno passará nove meses nos Estados Unidos trabalhando em seu próximo livro, Cementerios Personales (ainda sem nome em português). Comparado por muitas publicações como o próximo Roberto Bolaño, um dos grandes nomes da literatura chilena, a verdade é que Zambra possui sua própria personalidade e narrativa muito particular.
A estética criada pelo autor em seus livros, privilegiando uma escrita concisa, sem abusar de recursos estilísticos, misturando prosa e poesia em seus romances, garantiram a ele destaque em âmbito mundial. Entre caixas de mudança e a adaptação à nova cidade, Alejandro Zambra conversou com Escotilha sobre seus livros, influências e futuros projetos.
Escotilha » Você já atuou como crítico literário para jornais, além de ser doutor em Literatura pela Universidad Católica e professor de literatura pela Universidad Diego Portales. Como essas experiências, da crítica e do ensino, influenciaram sua literatura? E qual é, na sua opinião, a importância da crítica literária?
Alejandro Zambra » De tudo o que você mencionou, para mim o mais relevante é a experiência de dar aulas. É um trabalho muito exigente, bonito e extremo. E é uma reflexão constante sobre a literatura, sobre o modo como ela se relaciona com as pessoas, o tipo de conhecimento que a literatura permite.
A crítica também foi importante, mesmo que a tenha deixado há muitos anos. Parece-me interessante que hajam críticos que vão para além do imediato, que se atrevam a questionar suas próprias premissas, também.
Desde o lançamento de Bonsai e sua participação na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), sua relação com o país tem se estreitado. Os leitores daqui têm empatia por sua obra. O que você crê que possa definir sua relação com leitores latino-americanos? Há um denominador comum entre eles?
Existem lugares que conheço mais, e que para mim são como estar em casa. Penso em Lima, Buenos Aires, Bogotá ou São Paulo. Na verdade, não sei se tenho uma relação com os leitores, mas tenho amigos peruanos, argentinos e brasileiros com os quais estou constantemente conversando.
Por outro lado, eu penso que meus livros são muito chilenos, sempre me surpreende um pouco que leitores não chilenos entrem em contato com o que faço. Que posso dizer, me parece maravilhoso, sempre me senti próximo dessa sensibilidade, sobretudo pela música. Quando voltava da Flip, depois de apresentar Bonsai, comprei uma bandeirinha brasileira que tenho desde então em meu escritório. Só a guardei quando jogamos contra o Brasil no Mundial.
Seus romances flertam constantemente com a poesia. Prosa e poesia caminham juntas? Você teria como escolher entre uma delas, ou a inspiração para cada estilo varia?
Eu creio que tudo vá mudando sempre. Na verdade, não creio muito nos gêneros literários. Os gêneros são como camisas que a princípio sempre te incomodam, e escrever um livro é chegar no momento em que essa camisa tem a forma do teu corpo. Já é tua, para o bem ou para o mal. Já não fica grande ou pequena, é tua, nada mais.
Eu cresci lendo poesia, especialmente poesia chilena, e gostaria que cada linha do que escrevo tivesse essa intensidade que tem um bom poema. Mas, como te disse, não creio nos gêneros, porque ao escrever você sempre o desobedece, sempre modifica algo.
“Eu cresci lendo poesia, especialmente poesia chilena, e gostaria que cada linha do que escrevo tivesse essa intensidade que tem um bom poema.”
Em Bonsai e A Vida Privada das Árvores, você cria uma estética própria ao aparar os excessos estilísticos, fazendo deles obras que se conectam com o leitor por serem diretas, concisas. Na sua opinião, a literatura contemporânea deveria ser mais direta? Por qual razão a metáfora com a árvore, símbolo da vida?
O da árvore, o dos bonsais, foi bastante casual. Houve um tempo em que, não sei bem por que, fiquei obcecado com os bonsais.
Não penso que a literatura deva ser mais ou menos direta, não daria nenhuma premissa estilística, não creio nisso. Creio que cada um deva escrever seus livros como queira, sem se deter por supostas fórmulas ou regras. Liberdade absoluta.
Recentes pesquisas demonstraram que o índice de leitura dos brasileiros é baixo, cerca de 1,7 livro por ano, segundo dados do Ministério da Educação. Como se dá no Chile a relação com a literatura? Qual o maior desafio em ser um escritor no século 21?
Creio que a situação no Chile é igual ou pior. Seguramente é pior, mas não estou por dentro das estatísticas. Creio que haja muita gente que lê e seja tola, tanto quanto pessoas que não leem nada e são maravilhosas.
Não tenho ideia de qual seja o meu desafio, na verdade. Escrever é algo que vou seguir fazendo, porque necessito, porque não me imagino vivendo sem escrever. Quando pedem, por exemplo, que diga porque alguém deveria ler-me, nunca sei o que responder. Que leiam os demais, há tanto escritores bons.
Em 2013, o escritor brasileiro Luiz Ruffato, em seu discurso na Feira do Livro de Frankfurt, fez uma pergunta retórica acerca do “significado de ser um escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora”. O que é para você ser um escritor na América Latina?
Estou de acordo com o que ele disse, é a luta constante de quem prefere o “ócio” ao “negócio”. Agora, não sei bem como responder isto. Em um sentido, me parece incrível participar de uma língua que se fala de tantas maneiras no mundo. E com o Brasil temos essa situação tão bonita de quase se entender, de que as palavras estejam tão perto e tão longe.
Creio que ser escritor em nossos países é apostar na incerteza e no desejo, e isso é tão difícil, é um sacrifício cotidiano. Mas não simpatizo com um tom queixoso, tampouco. Não creio que “ser escritor” seja algo muito definido, nem em si mesmo valioso; não creio que seja melhor que ser padeiro, pedreiro ou guitarrista. Depende de que tipo de escritor você seja, do que busque. Não mistificaria o ofício de escritor.
Em Formas de Voltar Para Casa, seu personagem usa a escrita de sua própria história como uma forma de expurgar seus fantasmas. Você acredita que a literatura possua um papel transformador na sociedade? Acredita que ao afetar o leitor, você seja capaz de modificá-lo, a ponto de que ele transforme o mundo?
Claro que sim. É algo muito lento e silencioso, mas penso que hajam livros que mudaram minha vida e conheço muita gente que diria o mesmo. Se eu respondo como leitor, minha resposta é um retumbante sim. A literatura transforma tudo, mesmo que sua influência ou seu poder não sejam evidentes.
“Creio que ser escritor em nossos países é apostar na incerteza e no desejo, e isso é tão difícil, é um sacrifício cotidiano.”
Álvaro Bisama, Diego Zúñiga, Patricio Jara, Jorge Baradit, Marcelo Leonart, Nona Fernández. O futuro da literatura chilena parece muito promissor. O que mais podemos esperar dessa tua geração de escritores chilenos?
Vejo que você compartilha do meu otimismo. Eu agregaria vários nomes, mas os escritores que você mencionou têm em comum que não estão tentando agradar uma expectativa: fazem o que querem fazer, são todos muito diferentes, porque estão buscando, cada um deles, algo diferente. Isso é tudo o que espero de um escritor, chileno ou húngaro: que tente ir até o fundo de si mesmo.
Como está a produção de Cementerios Personales? Como surgiu a inspiração para escrevê-lo? E a bolsa de estudos para a residência na Biblioteca Pública de Nova York?
Surgiu de um desgosto com a ideia romântica de uma biblioteca pessoal. Na verdade, estou escrevendo três livros ao mesmo tempo, ainda não sei qual vou terminar primeiro, mas não é um problema, ao contrário, é um momento cheio de possibilidades. Sobre a bolsa de estudos, bom, apresentei um projeto e aqui estou. Mas suponho que escreveria o livro da mesma forma em minha casa, que é onde sempre escrevo. Ou no Brasil.
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