Junho de 2016. Surge a ideia de pauta na redação: “Vamos entrevistar o Arnon Grunberg?”. Acolhida a sugestão, envio à equipe da editoria de literatura um pedido para que escrevam algumas perguntas a serem feitas ao autor holandês. A empolgação é grande. Grunberg viria ao Brasil para lançar seu mais novo romance pela Rádio Londres, O Homem Sem Doença.
Levo algum tempo até conseguir encontrar um e-mail que soe confiável e não que seja de um possível editor ou assessor do escritor. Procurei formas de cortar o intermediário, ou seja, ao invés de ir até a editora e solicitar o contato, procurei um e-mail para falar diretamente com Grunberg, assim, penso, evito burocracias.
Às 12h03 envio uma mensagem com a solicitação de entrevista. 40 minutos depois já tenho a resposta de Grunberg: “Claro que aceito responder suas perguntas, mas para quando você precisa delas”. Às 13 horas, solicito ao colunista Eder Alex que me auxilie na elaboração de perguntas. Tinha o ok mas nada a que ele pudesse responder. Às 15h14 Eder responde minha solicitação com três perguntas. Respondo o e-mail de Arnon – e neste momento já me permito chamá-lo pelo primeiro nome – perguntando se dez dias seriam suficientes para o retorno das perguntas.
O mundo do jornalismo cultural é agitado. Ao mesmo tempo que havíamos tido esta ideia, certamente outros tantos jornalistas culturais também a tiveram. Passo a ler todas as entrevistas que Grunberg havia dado a veículos nacionais. O objetivo é fugir de perguntas óbvias e que já tenham sido feitas em outros canais. Quatro dias depois retorno o e-mail com as perguntas.
Passam mais de dez dias e não recebemos nenhuma resposta. Admito que por um instante eu passo a duvidar de que ele vá responder. “Deve receber mil dessas solicitações, fora convites para eventos, solicitações de texto…”. Dia 22 de junho, Grunberg me escreve um e-mail à uma da madrugada, horário local do Brasil. “Preciso de mais alguns dias – tenho alguns prazos. Tudo bem por você? Saudações.” É uma relação curiosa esta com autores. Já havia entrevistado o chileno Alejandro Zambra (leia entrevista aqui), mas, ainda assim, há uma excitação com tudo o que se passa. Respondo que não há problemas.
Passam mais 18 dias até que um e-mail de Arnon Grunberg torne a pipocar em minha caixa de entrada. Um pedido de desculpas. “Estava tão ocupado que me perdi em responder suas questões. O que fazemos? Ainda devo respondê-las? Tudo de melhor, Arnon.” Ora vejam, um e-mail tão próximo e tão delicado. Não perco muito tempo em respondê-lo que sim, se ele ainda puder encontrar tempo em sua agenda para nos escrever, seria fantástico.
Passam mais dez dias, no total são quase dois meses entre meu primeiro e-mail e o último, contendo as respostas de nossas questões, dispostas no próprio corpo do e-mail. No cabeçalho o escritor diz: “Com sinceras desculpas, aqui as respostas”. Nova reunião de pauta. Decidimos segurar a entrevista com Arnon. Por sorte, as perguntas têm um caráter mais atemporal e menos centradas em uma obra específica. Desta forma, optamos por aguardar o lançamento de O Homem Sem Doença.
Sem mais delongas, segue a entrevista exclusiva com Arnon Grunberg.
Escotilha: Em 1995, você se mudou para Nova York. Em 2010, em um artigo para o The Guardian, você disse que precisou mudar para começar a sentir-se verdadeiramente europeu. O quanto esta mudança e as experiências surgidas a partir dela impactaram a forma como você vê o mundo e o projeta na sua literatura?
Arnon Grunberg: Viver em Nova York me fez ver que eu nunca seria capaz de me tornar um norte-americano, embora eu possa ser um cidadão norte-americano um dia. Tenho preferência por aquilo que às vezes é chamado literatura médio-europeia. Mas eu não tenho certeza se ser europeu mudou meu trabalho e minha visão sobre a literatura. Talvez Nova York tenha me feito menos holandês.
Como você enxerga o diálogo entre a literatura europeia, em especial a holandesa, e a literatura feita no resto do mundo? Existem traços em comum?
A tradição do romance é universal. Eu sou um universalista.
A tradição do romance é universal. Eu sou um universalista.
Falando sobre Tirza; a obra discute o declínio da família como instituição, e se aprofunda na questão da paternidade a partir do ponto de vista de um homem que está envelhecendo. Qual foi o fator determinante para eleger este tema como motor de sua narrativa?
O ponto de partida era mais o desespero de um homem de meia-idade que percebe que sem o seu amado filho, ele é completamente supérfluo. Para mim, no início, era sobre as armadilhas da paternidade. A criança que resolve os problemas existenciais para os pais. Uma armadilha de curso, para todas as pessoas envolvidas.
Ainda sobre Tirza; percebemos uma tensão que não fica evidente num primeiro plano, mas que vem se construindo nas entrelinhas, algo prestes a explodir. Como foi para você arquitetar todo esse plano para pegar o leitor de surpresa? Essa reviravolta esteve sempre em seus planos desde o início?
Eu tive a trama desde o início. Para mim, Hofmeester é um homem que não pode suportar as suas próprias tensões. Ele sabe muito, talvez sobre si mesmo, sobre seu futuro, e ele não pode viver com este conhecimento.
Tirza é uma obra que trata da violência que pode estar presente em pessoas que exibem um comportamento aparentemente normal, como se cada um de nós, mesmo não sendo necessariamente psicopatas, fôssemos capazes de atos brutais dependendo da situação. Como você enxerga a representação da violência na literatura, em especial a contemporânea?
A violência é sempre perigosa. Quero dizer, nos filmes, pinturas, literatura, é tão fácil de romantizar ou glorificar a violência. De certa forma, cheguei à conclusão de que você não deve esconder os aspectos atraentes e sedutores da violência.
A vitória de Svetlana Alexeievich no Prêmio Nobel de Literatura gerou controvérsias por ser uma obra de jornalismo literário. Você já citou que fazer jornalismo literário revelou-se um solo fértil para seus romances. Como você recebeu esse resultado e como acredita que isto possa influenciar, se é que pode, o universo literário?
O jornalismo literário merece um Nobel também.
De Coetzee a J.D. Salinger, de Flaubert a Dostoevsky: o que você observa de suas influências que foram levadas para as suas obras?
Eles me ajudaram, eles me salvaram, literalmente, quando eu era adolescente, desesperado, a literatura me salvou. Leitura e a possibilidade de que eu poderia tornar-me aceitável através da literatura. Um exilado aceitável.
Na literatura, às vezes as fronteiras entre a realidade e a ficção são frágeis. Analisando-a a partir de um registro da sociedade que a gera, qual a sociedade que seus livros procuram retratam? O que dizem sobre ela?
Há muita ficção na realidade e vice-versa.
Sua escrita caminha por diferentes gêneros literários e mesmo linguagens artísticas. Como é para você este processo de criação tão multifacetado?
Sou disciplinado. O jornalismo literário pode ser uma grande inspiração para um romancista. Se você resistir à tentação de idealismo superficial.
Em recente entrevista, você disse que “não é só a verdade que a literatura busca”. Especificamente sobre você: o que você busca com a literatura?
A verdade, é claro, mas o leitor tem que sobreviver. Todos nós tentamos fazer a verdade suportável, mesmo Beckett. Isso é estilo.