O escritor amanuense Diego Moraes é um dos responsáveis por dar fôlego à literatura marginal atualmente. Se nos anos 70, momento célebre do gênero, os autores usavam o mimeógrafo para espalhar aquilo que escreviam, nos tempos do ciberespaço, as redes sociais são a grande plataforma de disseminação literária – e, como explica Moraes, um lugar para “militantes, sociólogos e censores”.
Autor dos livros A fotografia do meu antigo amor dançando tango (2012), A solidão é um deus bêbado dando ré num trator (2013), Um bar fecha dentro da gente (2014), Eu já fui aquele cara que comprava vinte fichas e falava ‘eu te amo’ no orelhão (2015) e Meu coração é um bar vazio tocando Belchior (2016), Moraes é um retratista do dia a dia, das cenas simples e comoventes – ao molde de João Antônio, nome clássico da cena periférica brasileira.
Leia abaixo a entrevista exclusiva que o escritor concedeu para a Escotilha.
Escotilha » Você integra uma geração que usa o Facebook e outras redes sociais para fazer literatura. O livro ainda é um formato imprescindível ou a literatura não depende mais dele?
Diego Moraes » Como diz um amigo: “ser escritor não é só publicar livros”. Acredito em várias formas de ser atuante. Você pode escrever numa porta de banheiro de bar. Imprimir versos num lambe e sair colando em muros. Pegar um megafone e invadir espaços com a literatura na ponta da língua. Sempre me considerei escritor desde quando coloquei no papel meu primeiro delírio e saía de casa com lirismos guardados na carteira.
O Facebook é uma ferramenta. Uma forma de angariar leitores, mas deixou de ser uma plataforma maneira. Agora a rede social tem sido tomada por militantes, sociólogos e censores. A literatura tem sido colocada em segundo plano. Tem sido cada vez mais difícil publicar nas redes sociais. Você é denunciado e bloqueado pelo Marck Zuckerberg apenas por publicar um conto que contenha a palavra caralho”.
Estamos retrocedendo. Estamos na idade das trevas. Quem não concorda com o ponto de vista do outro acaba sendo linchado. O Facebook é um pau de arara virtual. Tanto a esquerda quanto a direita penduram e dão choque em quem ousa discordar.
Sua literatura é pautada na crueza do dia a dia, algo muito próximo ao que João Antônio fez nos anos 70. Gostaria que você comentasse sobre sua percepção e processo de criação.
João Antônio é uma influência. Li quase sua obra completa. A crueza, as pancadas que levo da vida inspiram, mas também sou imagético e extremamente lírico quando quero. Meu livro de contos A fotografia do meu antigo amor dançando tango é uma transa com o cinema. Uma nóia misturando linguagem marginal e cinematográfica. Mas acredito que o leitor se recorde e goste mais do meu lado seco nas redes sociais.
Essa escrita é fácil. Consigo escrever até 6 contos por dia nesse estilo. É um tipo de linguagem que atrai novos leitores, porque está mais perto da realidade deles. Mais próxima do dia-a-dia. Só que tenho trabalhado em outras fórmulas. Em silêncio. Experimentado outras coisas. É meio engraçado. O público feminino gosta mais da minha poesia romântica esparramada e os homens adoram minha sujeira de rua.
Sem literatura meu mundo enferruja. Fico de mau humor quando não escrevo. A literatura é uma espécie de abraço.
Como a sua experiência nas ruas de São Paulo ajudou a formar o seu fazer literário?
Aumentou meu poder de visão. Comecei a entender certas coisas como ganância e solidão. A sarjeta me salvou. Foi meu consultório de análise. Entendi Freud na prática. Na miséria. Na fome. Deixei de ser ingênuo quando vivi por uns tempos como mendigo. Só me fortaleceu como escritor.
Em seu livro A solidão é um deus bêbado dando ré num trator (2013), você diz que o “amor anda de ônibus”. Para amar é preciso sofrer e enfrentar provações?
Se o amor permanecer quente com contas atrasadas, pode ter certeza que é verdadeiro. Amar é não desistir. É continuar abraçado com o outro no lamaçal.
Se você encontrasse Vinicius de Moraes, o que diria ao Poetinha?
Apresenta-me pra Garota de Ipanema, poetinha.
Clarice dizia que escrevia como quem bebe água, para não morrer. Você diz que escreve por não ter porte de arma de fogo. Podemos dizer que você escreve para não matar?
Sem literatura meu mundo enferruja. Fico de mau humor quando não escrevo. A literatura é uma espécie de abraço. Só com a literatura amando o bicho raivoso que vive dentro de mim.
Você, ao lado do Roberto Menezes, organizou a FLIPOBRE, uma espécie de sátira marginal da FLIP. Como surgiu a ideia de criar o festival?
A FLIPOBRE acabou. A ideia era divulgar novos autores e discutir literatura, mas ficamos de saco cheio. Ter que lidar com ego alheio, inveja, mesquinharia… enche o saco. Melhor que cada um cuide da sua literatura. Que cada um capine seu lote diário.
Qual o papel das periferias na literatura brasileira?
A pergunta correta é “qual o papel da literatura nas periferias?”. Acho que está tudo errado. Ensinam os escritores errados para periferia. Estudam caras mofados no ensino público. Escritores que não despertam interesse por leitura. Por serem chatos. Ultrapassados.
Mas a periferia tem consumido o hip hop. Então está de boa. Aprendem sobre a realidade que vivem escutando música. Mas ainda é chato ver professor empurrando José de Alencar pra um garoto que cresceu vendo fuzis e defuntos no asfalto. É como querer alimentar leão com jujuba e Nutella. Não dá.
Uma vez você disse que queria trabalhar com cinema. Quais suas influências cinematográficas?
Rogério Sganzerla, Nelson Pereira dos Santos, Antonio Calmon, Clint Eastwood, Tonny Scott, Stanley Kubrick e Paul Thomas Anderson.