O mistério do nascimento de Jesus e o milagre da Virgem Maria é o ponto de partida da novela Em nome da mãe (Companhia das Letras, 2007, tradução de Rosa Freire d’Aguiar) do romancista, tradutor e poeta italiano Erri de Luca. Autor ainda pouco editado no Brasil, o napolitano de 68 anos – que já trabalhou como pedreiro, foi militante do grupo de extrema esquerda Lotta Continua e dirigiu comboios de ajuda humanitária durante a guerra da antiga Iugoslávia – recria com sensibilidade a passagem bíblica do nascimento de Cristo. O ponto forte da novela é protagonizado pela narradora, a própria Maria, ou Miriam, como se chamava em hebraico a judia que deu à luz o Filho de Deus.
Erri de Luca concilia seu engajamento humanista com o interesse por textos bíblicos, dos quais traduziu alguns diretamente do antigo hebraico. Em entrevista ao jornal português Publico, o escritor explicou o motivo de seu interesse por esses textos. “Porque aquele é o formato original do qual descende toda a nossa civilização religiosa. Para mim aquele é um texto obrigatório”, afirmou o autor, que não se considera um crente. Em nome da mãe é uma bem-sucedida tentativa de ficcionar o nascimento de Cristo sob a perspectiva de Maria, de seus medos, suas angústias, mas também sua coragem e seus anseios de mulher. “No fundo, a contribuição masculina não tem peso, é um jato de um instante. Desta história ela está ausente, mas não se sente sua ausência”, lê-se no preâmbulo da obra.
Sob as leis e a moral intolerante da época, uma noiva grávida antes do casamento seria considerada uma adúltera e, como pena, deveria ser apedrejada, a primeira pedra sendo atirada pelo próprio marido. Por isso, a aflição de Iosef, que precisa explicar que Maria não cometera um adultério. “Para ele, a notícia era como um furacão que arrancasse o telhado”. Transtornado, Iosef exige esclarecimentos de Maria, pois deverá apresentá-los diante da assembleia local.
Narrado em primeira pessoa, o livro humaniza e amplia a história de Maria e seu noivo Iosef (o José bíblico), na medida em que dramatiza as angústias vivenciadas pelo casal a partir da Anunciação.
“O anúncio quebrara nosso compromisso. Eu estava grávida de um anjo que chegara, antes do casamento. Por isso, ele pedia outras palavras, para citar na assembleia, em busca de uma defesa perante a aldeia”. A obstinação de Iosef em compreender a gravidez de Maria, sua tentativa de criar um argumento factível para o ocorrido (alegar que a mulher fora violentada, por exemplo) expõe seus afetos e sua preocupação pela noiva. Tais sentimentos tornam-se mais evidentes no momento em que Iosef aceita a explicação Maria a respeito da gravidez, assumindo e enfrentando o desprezo e a indiferença da comunidade de Nazaré. Além disso, Iosef é obrigado a abandonar o trabalho na oficina de carpintaria. Em sua festa de casamento, pouquíssimos convidados, apenas os parentes mais próximos. Os contratempos durante a longa viagem no lombo de um jumento não são suficientes para desanimar o casal, que permanecem mais unidos e determinados na adversidade.
A ocupação militar em Israel também é descrita por Maria, obrigada a partir de Nazaré para Belém, com Iosef, em função do recenseamento obrigatório imposto pelos romanos. “Deste recenseamento somos inocentes, pois é dos romanos. Que caia sobre eles a culpa e o castigo”. O exílio forçado impõe ao casal a busca por uma hospedagem, algum alojamento que, no entanto, eles não encontram. O único lugar disponível é um pequeno estábulo, onde Maria passa a noite sozinha e onde ocorre o nascimento de Ieshu (Jesus).
Em nome da mãe constitui uma pequena grande novela. A prosa de Erri de Luca é direta, elegante e poética, sobretudo nas passagens em que Maria e Iosef partem de Nazaré, ou quando Maria conversa com o filho ainda no ventre, explicando a beleza de fenômenos da natureza como a claridade do dia ou a escuridão da noite iluminada por estrelas. Outra passagem admirável é o encontro do casal com um velho homem cego guiado por um cão, que travam um diálogo com ares de parábola. Por fim, três poemas encerram a narrativa, dividida entre estâncias e cantos. Uma obra que restitui, a partir da ficção e do discurso literário, a dimensão feminina e o protagonismo de Maria de Nazaré. Como diz o autor no preâmbulo: “Em nome do pai inaugura o sinal-da-cruz. Em nome da mãe inaugura-se a vida”.
EM NOME DA MÃE | Erri de Luca
Editora: Companhia das Letras;
Tradução: Rosa Freire d’Aguiar;
Tamanho: 96 págs.;
Lançamento: Abril, 2007.
[button color=”red” size=”small” link=”https://amzn.to/2M6AHsW” icon=”” target=”true” nofollow=”false”]Compre na Amazon[/button]