Em tempos de desgaste e descrédito do jornalismo e de crise nos grandes varejistas de livros, o nome de Euclides da Cunha (1866 – 1909) como homenageado na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2019 traz certo alento. Conhecido pelo épico Os Sertões, livro-reportagem que retrata o conflito de Canudos (1896 – 1897), Cunha morreu tragicamente após ser baleado pelo amante da esposa – que também foi o responsável pela morte do filho de Euclides, que tentava “lavar a honra” do pai. A edição tem curadoria da jornalista Fernanda Diamant, editora da revista Quatro Cinco Um.
Muito antes que o termo jornalismo literário surgisse, Euclides da Cunha já o exercia. Ao cobrir a Guerra de Canudos para o jornal O Estado de S. Paulo, o escritor foi além do factual, desenvolvendo uma análise minuciosa sobre questões políticas, sociais, geográficas, apresentando um olhar singular sobre o preconceito e o racismo. Para compor esse espelho da realidade, Euclides dividiu a obra em três partes: a terra; o homem; e a luta.
Por meio desse panorama amplo demonstra cenário complexo que envolvia o conflito. “[A obra Os Sertões] faz muito sentido agora, nesse momento que a gente está vivendo no Brasil. Além de ser grande literatura, do ponto de vista formal, trata de muitos assuntos que nos dizem respeito muito intensamente nesse momento”, disse Diamant em entrevista ao Nexo.
Outro ponto importante para a escolha de Euclides da Cunha foi a relação d’Os Sertões com o momento atual de nosso país. Para a curadora, o autor ficou profundíssimamente abalado com a situação do povo de Canudos e mudou sua percepção pessoal a respeito do caso. “Os Sertões é uma obra que tem muita conversa com o que está acontecendo no Brasil hoje. Para além da maravilha literária, é uma obra jornalística, a cobertura de um conflito que terminou em massacre”, comentou ao Estadão.
Com um olhar intenso sobre a cidade e sobre o seu povo, o autor conseguia traduzir em palavras aquilo que enxergava.
Observador
Euclides da Cunha foi um observador arguto. E não somente da região de Canudos. Dois anos antes de sua morte, publicou Contrastes e confrontos, livro que reúne ensaios sobre os primeiros anos da república brasileira e publicados, originalmente, na imprensa. Com um olhar intenso sobre a cidade e sobre o seu povo, o autor conseguia traduzir em palavras aquilo que enxergava.
Sua percepção aguçada, porém, não deixou que fosse levado pelo ódio quando invadiu o quarto de Dilermando de Assis, amante de Dona Saninha, esposa do escritor. Assis, que era militar, chegou a ser alvejado duas vezes – na virilha e no peito – pelo “doutor”, mas revidou com três tiros, que acabaram por matar o autor d’Os Sertões.
A tragédia foi contada por Mary del Priore em Matar para não morrer, publicado em 2009, resgatando a história bárbara que marcou a vida a e morte de Euclides.