Nas primeiras páginas de seu livro A biblioteca à noite, Alberto Manguel comenta sobre o impulso inspirador, comovente e otimista com que nós “continuamos reunindo todo fiapo de informação que conseguimos recolher em rolos, livros e circuitos eletrônicos, enchendo prateleiras e prateleiras de bibliotecas, pouco importa se materiais, virtuais, ou de outro tipo qualquer, dedicando-nos pateticamente a conferir ao mundo uma aparência de sentido e ordem”, apesar da inegável falta de objetivo palpável e de sentido que a vida nos oferece.
Nessa obra, Manguel procura investigar as razões que nos levam a tal feito e tem, como resultado, um livro que disseca bibliotecas em diversos sentidos e dimensões: desde Alexandria até a Biblioteca do Congresso dos EUA; das estantes organizadas racionalmente até a faceta aterrorizante do conhecimento jamais acessível em sua completude.
Foi após ler esse livro que, em 2015, a diretora do programa cultural da Biblioteca e Arquivos Nacionais do Quebec, Nicole Vallières, convidou Alberto Manguel para realizar uma exposição em comemoração ao décimo aniversário da instituição com uma exposição em torno do livro. “Aceitei com entusiasmo, mas sugeri que, em vez de expor meu exemplar impresso e o manuscrito (o que na minha opinião seria uma exposição entediante), ela pedisse a Robert Lepage para imaginar um espetáculo a partir do livro”, contou Alberto Manguel em um depoimento.

O resultado, criado por Lepage, estreou no dia 27 de outubro de 2015. A exposição, agora recriada pelo grupo EX MACHINA no SESC Paulista, conta com duas salas. A primeira delas é a recriação de uma biblioteca de Manguel, com paredes de pedra, janelas riscadas de água e chuva nas janelas. Ao entrar nela, somos convidados a vagar pela biblioteca, seguindo a iluminação e a reflexão, que corre por alto-falantes.
Depois, o público é levado a outra sala, formada por árvores de papel, mesas com luminárias e páginas que forravam o chão. Ali, recebe-se o aparelho de imersão na realidade virtual e pode-se visitar dez bibliotecas – são bibliotecas reais e fictícias; atuais e antigas que são apresentadas ao som das explicações de Manguel, em inglês ou português.
As estantes da exposição são acolhedoras ao leitor e trazem reflexões sobre a simbologia e a importância das estantes na vida. A instalação fica até fevereiro de 2019, de terça a sábado, das 10h30 às 21h; e de domingos e feriados, das 10h30 às 18h30. Os horários têm vagas limitadas e precisam ser reservados pelo site.
Confira a lista de bibliotecas:
Biblioteca da Abadia de Admont – Áustria
Construída no Iluminismo, é a maior biblioteca monástica do mundo. Nos quatro cantos da sala, esculturas batizadas de “As quatro últimas coisas” encarnam a Morte, o Juízo Final, o Inferno e o Paraíso, reforçando a ideia de manter o homem com os pés no chão e lembrá-lo de sua incontestável condição de mero mortal.
Manguel procura investigar as razões que nos levam a tal feito e tem, como resultado, um livro que disseca bibliotecas em diversos sentidos e dimensões.
Templo de Hase-Dera – Japão
Criada no início da era Edo no séc. XVI, o rinzo, uma imensa prateleira giratória com sinos fixados que tintilam, armazena as palavras de Buda para sua sustentabilidade. Os sinos que giram no momento da rotação servem para espantar os maus espíritos que assombram a biblioteca e auxiliava a população analfabeta da época.
Biblioteca do Nautilus –20.000 Léguas Submarinas, de Jules Verne
Em 20.000 Léguas Submarinas, Aronnax é feito prisioneiro do Nautilus e se encanta pela biblioteca do capitão Nemo. O cômodo contém 12.000 obras de ciência, moral e literatura, escritas em várias línguas.
Biblioteca Nacional de Sarajevo – Bósnia e Herzegovina
Construída no final do século XIX em estilo arquitetônico neomourisco, a biblioteca foi a prefeitura de Sarajevo. Sua quase total destruição em 1992, durante o cerco de Sarajevo, foi um acontecimento marcante da guerra civil, que durou até 1995.
Biblioteca de Alexandria – Egito
A Biblioteca de Alexandria é considerada a mãe de todas as bibliotecas. Nasceu da vontade dos primeiros faraós ptolomaicos de reunir todo o conhecimento existente. Em 2002, uma nova foi erguida no lugar supostamente ocupado pelo primeiro prédio.
Biblioteca de Vasconcelos – México
Construída em um leito de um lago seco no vale do México, a biblioteca é estruturada como uma enorme arca moderna onde livros, prateleiras e conhecimento flutuam no espaço.
Biblioteca Real – Dinamarca
Construída em 1855, a Biblioteca de Ciências Sociais da Universidade de Copenhague tem hoje apenas um valor patrimonial. Sua utilidade é estética e acústica, se tornando uma “biblioteca embalsamada”. Seus livros não estão classificados nem listados e, portanto, não podem ser consultados. É uma biblioteca composta de livros mortos.
Biblioteca do Parlamento de Ottawa – Canadá
A Biblioteca do Parlamento, em Ottawa, em estilo vitoriano, tem um acervo constituído essencialmente por documentos legais. A presença predominante de uma estátua da rainha Vitória contribui para sua solenidade.
Biblioteca de Sainte-Geneviève – França
Na época de sua inauguração, em meados do século XIX, a Biblioteca Sainte-Geneviève serviu como suporte para vários avanços tecnológicos, como o início do uso de elementos estruturais em ferro fundido. O mais importante deles foi a introdução da iluminação a gás, que permitiu estender o horário de funcionamento da biblioteca para além do que era permitido pela luz natural do sol.
Biblioteca do Congresso Americano – EUA
A cidade de Washington se estende em uma vista 360 graus em torno do visitante através das janelas circulares da cúpula da Biblioteca do Congresso. Como em uma estrutura panóptica, cada leitor está potencialmente sob o olhar do bibliotecário chefe, no coração da sala de leitura, fixado em sua torre central.