Tudo Pode Ser Roubado, romance de estreia da curitibana Giovana Madalosso publicado pela editora todavia, possui muitas virtudes, porém também apresenta defeitos. A protagonista de Tudo Pode Ser Roubado trabalha como garçonete em um restaurante renomado da capital paulista, enquanto pratica furtos aleatórios (geralmente itens de grife e com bom valor de revenda) durante as relações que mantêm com homens e mulheres, também aleatórios.
Em dado momento, um homem misterioso, que atende pelo nome de Biel, aparece no restaurante e diz que sabe o que ela faz e que precisa que ela cometa um furto pelo qual ambos serão bem remunerados, caso contrário a entregará. Acontece que o furto não é de um objeto qualquer, mas da primeira edição de O Guarani, clássico da literatura brasileira. Para realizar isso, ela precisa se aproximar de Cícero, um professor universitário divorciado (justamente por ter gastado uma fortuna para adquirir a obra em um leilão, a contragosto de sua esposa de então).
Aqui talvez tenha começado os detalhes que considero tropeços. Madalosso constrói uma cidade caricata, estereotipada. Há excessos que não representam fielmente as idiossincrasias da “pauliceia desvairada”, que precisam ser relevados para melhor desfrute do livro. São trechos em que uma leitura mais atenta notará sobejos neste detalhamento do que a autora pretende que represente a cidade e seus cidadãos. Outra contrariedade reside na tentativa da autora de inserir comentários sobre a contemporaneidade em seus personagens (sobre as relações sociais, política, cidade, moda, educação superior, gastronomia, religião, etc), fazendo isso mesmo que esteja completamente fora de contexto (problema semelhante sofreu Tezza em A tradutora, por exemplo – leia aqui o que dissemos sobre a obra).
Quando imprime em seus personagens essa metáfora sobre o existir em São Paulo, a autora é brilhante, e certamente molda a força de Tudo Pode Ser Roubado a ponto de nos levar até o fim, num misto de pesar e melancolia por dividir essa pauliceia tão concreta e indivisível.
É importante frisar ao leitor que em nada esses dois aspectos resultam em demérito para Tudo Pode Ser Roubado. Em momento algum, o desenrolar da trama é atrapalhado por eles, que, no entanto, permanecem como um lembrete incômodo de que algo está fora de lugar, o que tira, ao menos de modo particular, um tanto do brilho da narrativa que se expressava tão inventiva de partida.
Contudo, Madalosso acerta em cheio na construção da “alma comportamental” paulistana, apresentada mais através da personalidade das figuras humanas que compõe do que precisamente por seu olhar que escapa em cada sílaba. Tanto Criolo quanto Caetano expressaram uma São Paulo dura, concreta, uma poesia que por vezes pode nos impedir de enxergar o amor nas artérias citadinas. Giovana constrói uma metáfora interessante, tendo como ponto de partido os roubos. Sua protagonista leva uma vida vazia, de relações fortuitas, nas quais procura preencher esta lacuna com os furtos, como quem procura levar não a peça, mas a história que ela carrega. É impossível dissociar a garçonete e a cidade, como elementos que se complementam e se traduzem simultaneamente.
O desenrolar do romance parece evidenciar essa busca por dar sentido à sua existência, especialmente quando a personagem compartilha suas lamentações sobre o amor, a ponto de questionar suas ações. Quando imprime em seus personagens essa metáfora sobre o existir em São Paulo, a autora é brilhante, e certamente molda a força de Tudo Pode Ser Roubado a ponto de nos levar até o fim, num misto de pesar e melancolia por dividir essa pauliceia tão concreta e indivisível.
Se pesa a mão na hora de edificar essa São Paulo de seu livro, a autora ganha pontos por não recorrer a malabarismos e arroubos estilísticos, conferindo à sua obra uma fluidez permanente, mesmo nos momentos em que a prosa parece quase gritar por um exagero, um disparate sentimental. Houvesse medida possível de quantificar essa sobriedade, ela seria representada pela relação da protagonista com Tiana, a personagem que melhor traduz a vulnerabilidade que São Paulo impõe a tudo que é o avesso do avesso do avesso.
Com tantos autores homens ainda a transpor a realidade para a ficção, é prazeroso acompanhar o desabrochar de Giovana Madalosso. Ela dá um passo adiante em relação ao que já havia apresentado com a seleção de contos A Teta Racional, e deixa espaço a que vejamos ela lapidar sua carreira literária. Um privilégio, mas também uma grande responsabilidade compartilhada.
TUDO PODE SER ROUBADO | Giovana Madalosso
Editora: todavia;
Tamanho: 192 págs.
Lançamento: Fevereiro, 2018.
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