Se você misturar todos os filmes recentes de terror genérico num liquidificador, sairá dali um enredo muito parecido com o do livro Horror na Colina Darrington, lançado pela Faro Editorial. O escritor (e treinador de boxe e atleta de CrossFit e surfista, de acordo a orelha do livro) Marcus Barcelos faz uma colagem xexelenta dos vários clichês do gênero e cria uma obra desastrosa em que pouca coisa se salva.
A despeito da informação de que ganhou prêmio internacional Wattys e que foi lido por trocentas mil pessoas, o livro não aparenta ser uma obra-prima que revolucionará o terror já que começa de forma equivocada, pois nos deparamos com uma “Nota do Autor” em que o próprio nos explica que estamos diante de uma obra que é “intensa do início ao fim” e que possui “uma trama complexa e sem rodeios, como a realidade mais dura costuma ser”. Pois é, eu também ri da sensível mistura de autoestima elevada e ingenuidade. Talvez não faça muito sentido analisar o livro já que o próprio autor já o fez e explicou certinho como o leitor deve se comportar e pensar, mas pedimos licença aqui para discordar um pouco e apresentar uma leitura de fora.
O enredo de Horror na Colina de Darrington é mais ou menos o seguinte: um jovem que viveu em um orfanato vai para a casa dos tios para cuidar de sua priminha, já que o tio trabalha muito e a tia está muito doente. À noite, ele toma uns sustos (só ele, o leitor não) e descobre que a casa é meio zoada, pois tem uns espíritos malvados ali, mas também tem outros que são gente boa e dão altas dicas etc, aquele desconforto de sempre quando você descobre rituais satânicos por perto e aí precisa salvar o mundo.
Não há absolutamente nenhum trecho do livro que não seja chupado de livros como Outra Volta do Parafuso e O Exorcista, ou de filmes como Atividade Paranormal e Mansão Marsten, há até uns ecos meio distantes de [sinal da cruz] O Código Da Vinci. O romance todo é um amontoado de sequências clichês e sustos desgastados que foram utilizadas nas obras citadas e em centenas de outras ao longo dos anos, fazendo com que a leitura, que se pressupõe eletrizante, não consiga ser mais do que enfadonha.
Não há absolutamente nenhum trecho do livro que não seja chupado de livros como Outra Volta do Parafuso e O Exorcista ou de filmes como Atividade Paranormal e Mansão Marsten.
Veja bem, não há problema em utilizar clichês, desde que você o faça com o mínimo de esforço no sentido de tentar buscar algo criativo ou ousado (este ano tivemos o filme Corra!, por exemplo). O próprio Stephen King, um sujeito que já escreveu uns dois ou três livros de terror, utiliza inúmeros clichês em seus livros, mas a diferença está em como ele faz isso.
Uma das obras dele que considero mais assustadoras é Cemitério, aquela do menininho que é enterrado e depois volta para aprontar altas confusões. Veja só, Cemitério é um livro sobre zumbis. Ok, o tema zumbi só foi encher o saco mais recentemente, por causa do tanto de filme e séries, mas, quando o livro foi lançado, as obras do George Romero já faziam a cabeça da galera.
O que Stephen King fez, a meu ver de forma genial, de um modo que poucas vezes ele conseguiu repetir, foi criar uma ambientação extremamente realista e, por conseguinte, clichê (família enfrentando as dificuldades banais de se adaptar a uma nova casa) e aos poucos ir inserindo uma atmosfera sombria completamente assustadora. O susto demora para acontecer, mas quando ele vem, meu amigo, é de fazer você jogar o livro num canto e tentar lembrar como é que se reza.
Susto por escrito é um troço muito difícil de acontecer, pois depende demais dessa atmosfera e do ritmo da narrativa, e é aí que Horror na Colina de Darrington falha miseravelmente. Marcus Barcelos repete por escrito, já na primeira página do primeiro capítulo, aqueles clichês de sustos copiados de filmes (que contam com efeitos especiais e efeitos sonoros e mesmo assim poucas vezes funcionam, então imagine num livro?), e quando o protagonista do romance mal aparece e já se vê às voltas com criancinha macabra, alguém enforcado, um espírito ou mãos demoníacas saindo do chão (é sério, tem até isso), o que resta ao leitor é suspirar e seguir em frente já que o livro não foi grátis e o editor cobrará a resenha.
O autor também usa muito mal um recurso que às vezes é bem bacana, que é inserir documentos, relatórios e cartas no meio da narrativa. Dois exemplos de bom uso desta forma de narração: o livro Filme Noturno, de Marisha Pessl, que utiliza recortes de jornais e revistas para dar mais informações sobre o passado do cineasta misterioso que o protagonista está investigando; e o game Layers of Fear, em que o jogador em primeira pessoa precisa vasculhar uma mansão diabólica e, para entender os crimes que aconteceram ali, precisa ler jornais, cartas e bilhetes espalhados pelos cômodos.
Nestes dois casos, as informações servem para aprimorar o background dos personagens, mas serve, principalmente, para criar mais suspense, já que as informações surgem sempre de forma incompleta. Já em Horror na Colina Darrington, na maioria das vezes, o recurso é utilizado apenas para inserir explicações didáticas, que tornam tudo muito óbvio e comprometem qualquer possibilidade de suspense. Inclusive, o autor tenta forçar um clima de tensão repetindo várias vezes que “a escuridão se aproxima”, como se aquilo ali fosse um Game of Thrones de satanás. Simplesmente não funciona.
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A prosa de Marcus Barcelos é um tanto pobre, então é um tal de “senti gelar a espinha”, “um arrepio percorreu meu corpo” pra lá e “acordei sem fôlego” (o protagonista desmaia e acorda toda hora) e “barulho assustador” pra cá, que fica difícil não perceber aquilo como um ruído, algo que no fim das contas tira o leitor do clima da narrativa, pois a torna muito juvenil. O autor afirma, na famigerada “Nota do Autor” na abertura do livro, que pretende fazer algo no estilo pulp, então talvez tenha se embananado nos conceitos e no estilo. Há, ainda, um discurso bem ingênuo e constrangedor contra as pessoas malvadas que só pensam em lucrar, que só vem a comprovar a teoria de que autor de história de terror que tenta explicar demais só faz cagada.
Apesar dos pesares, há dois pontos positivos em Horror na Colina de Darrington. O primeiro ponto são as ilustrações de Thomaz Magno que, apesar de serem bem redundantes e não acrescentarem quase nada à narrativa, ainda assim são ótimas e talvez ajudem a criar o clima que o narrador não consegue desenvolver. Outra coisa positiva é a coragem de escrever e publicar um livro de gênero, coisa que, sei lá porque diabos, quase não acontece no Brasil, pelo menos não na dimensão que deveria.
E aí o leitor, neste momento, pode pensar: “ah, tá [imagem mental do meme da Mônica no computador], mas você acabou de destroçar o livro, seu filho da puta”. Veja bem, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, como diria o filósofo. O livro exibe com orgulho na capa a informação de que já foi lido por 1 milhão de pessoas na internet, então ele já tem o seu público, um público que aparentemente não é muito exigente, mas enfim, é gente pra caramba, e uma análise crítica terá efeito zero no sentido de promoção negativa da obra. Um texto como esse serve para pensar sobre o livro, avaliar a sua qualidade literária, sua relevância etc, e não para fazer propaganda, pra isso existe o departamento de marketing das editoras.
Dito isso, reconheço o esforço e torço para que novas obras sejam publicadas, pois sou um grande fã do gênero. E se nada disso der certo, está tudo bem para o Marcus Barcelos, pois ainda restam as carreiras de treinador de boxe e de atleta de CrossFit e de surfista.
HORROR NA COLINA DE DARRINGTON | Marcus Barcelos
Editora: Faro Editorial;
Quanto: R$ 25,43 (144 págs);
Lançamento: Outubro, 2016.