Para Schopenhauer e Nietzche, a felicidade não existe, ainda que somente para o segundo viver valesse a pena. Na melhor metáfora, cunhada por Bauman, a felicidade é como o coelho na corrida de cachorros: é sempre um objetivo enrustido e inalcançável. Daniel, o protagonista de Índice Médio de Felicidade, de David Machado, acredita que, em uma escala de 0 a 10, aquilo que acredita ser a sua felicidade merece nota 8.
A percepção muda quando Xavier, um típico outsider na era do ciberespaço, lembra ao amigo que Daniel está desempregado, seu país – Portugal – está em crise e sua mulher o abandonou levando consigo os filhos. Xavier, que ficou muitos anos sem sair de casa, vivendo somente à frente do seu computador – como Martín, do longa Medianeiras – é uma espécie de termômetro e que, ao contrário de Daniel, um avatar do pequeno-burguês, parece conhecer melhor a realidade.
A prosa de David Machado, autor ainda pouco conhecido no Brasil, tem claramente a influência de seus compatriotas mais ilustres – Valter Hugo Mãe, Saramago e Mia Couto –, mas consegue carregá-la de uma brutalidade arguta e dilacerante. Prova: Daniel pergunta a Mateus, seu filho pré-adolescente, quanto é seu índice médio de felicidade e a resposta vem certeira: muito abaixo daquilo que se espera de alguém que tinha por obrigação ser feliz. A partir desse momento, Daniel passa a repensar sobre si e sobre aquilo que tinha como certeza arraigada.
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David Machado constrói uma narrativa sobre a importância de se ser humano em um mundo cada vez mais mecânico e animalesco.
Índice Médio de Felicidade burla as normas do romance e desliza em um terreno pantanoso: a crise política/econômica versus o cidadão comum. Não são poucos os paralelos entre Portugal e Brasil. Não são poucos os paralelos entre Daniel e qualquer um de nós. Tanto quanto a história bem costurada, Machado triunfa ao conseguir jogar com a identificação do leitor – colocando na berlinda as memórias e as relações afetivas que compõem o homem medíocre.
Indie
David Machado mostra que é possível fazer literatura contemporânea e dialogar com os clássicos sem beirar o academicismo e sem que seja preciso se carregar daquela aura indie, que está cada vez mais industrializada.
Toda literatura é ambiciosa e tem, em sua gênese, a necessidade de se mostrar ao mundo, entretanto, isso não significar ser piegas ou cafona. E Índice Médio de Felicidade não se enquadra em ambos os padrões, é como se os personagens tivessem a necessidade de olhar para fora, ver a rua, sentir a chuva e o frio. David Machado constrói uma narrativa sobre a importância de se ser humano em um mundo cada vez mais mecânico e animalesco – temas que já foram trabalhados por Gonçalo M. Tavares, outro nome de peso da literatura lusófona contemporânea.
ÍNDICE MÉDIO DE FELICIDADE | David Machado
Editora: Dublinense;
Quanto: R$ 37,23 (320 páginas);
Lançamento: Outubro, 2016.