Após cinco anos, o PL 49/2015, conhecido como Lei Cortez, de autoria da então senadora Fátima Bezerra (PT-RN), atual governadora reeleita do Rio Grande do Norte, teve nova movimentação. Alvo de muita discussão, a lei prevê, entre outras coisas, regulamentar o preço de capa, limitar o desconto a 10% no primeiro ano de circulação de um livro e instituir políticas de incentivo ao mercado editorial e livreiro.
Na segunda-feita,12, o senador Jean Paul Prates (PT-RN), relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), deu parecer favorável. Desta forma, a matéria segue para a Comissão de Educação, de onde, caso receba novo parecer favorável, será encaminhada para a Câmara dos Deputados. A movimentação no PL é comemorada pelo setor, conforme afirmou à PublishNews Marcus Teles, diretor-presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL).
“Ficamos muito felizes. A ANL luta há quase 40 anos por essa lei. […] É um pleito antigo das livrarias, nós queremos que exista uma concorrência saudável no Brasil”, disse Teles. A expectativa é minimizar as condições desiguais de produção, comércio e distribuição dos livros no país.
Lei Cortez se inspira no modelo francês
O PL 49/2015 é uma tentativa de reproduzir o modelo francês, adotado há mais de 40 anos com a Lei Lang. Criada a partir de uma intensa mobilização da sociedade civil e união dos profissionais do livro, com suporte da opinião pública, ela regulamentou o preço dos livros no país.
A formulação da legislação, que serve desde então como parâmetro para outras em todo o mundo, levantou o debate sobre o preço fixo-único, em especial sobre os problemas que o setor enfrenta. Essa realidade também está no centro do debate no Brasil.
Apesar de certa resistência à Lei Cortez, os efeitos da sua similar francesa são positivos. De acordo com Jack Lang, ex-Ministro da Cultura da França, responsável pela implementação da legislação, a medida foi a salvação dos livreiros franceses. “Hoje temos quatro mil livreiros independentes na França, que constituem a base sobre a qual uma variedade editorial pode se multiplicar”.
No ano passado, Lang palestrou no simpósio “Por uma Lei da Bibliodiversidade”, organizada pelo Instituto de Estudos Avançados da USP. Na oportunidade, o ex-ministro fez questão de fazer um paralelo com a realidade do segmento em diferentes países. “A maioria dos que não adotaram essa lei estão com problemas, em um processo de degradação”, enfatizou.
Segundo apuração do PublishNews, as entidades do livro tentam articular com o relator do projeto a aprovação do mesmo na Comissão de Educação ainda este ano.
Lei não tem intenção de tabelar preços
Em seu parecer, o senador pontuou detalhes da relevância da Lei Cortez. “A lei passa longe de constituir alguma espécie de tabelamento ou congelamento de preços, muito menos pretende incorrer em uma tentativa de intervenção direta na liberdade de mercado”.
Esse receio infundado, inclusive, fez que alguns senadores rejeitassem a relatoria do projeto. O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) chegou a deixar o posto, pois dizia não estar convencido da pertinência do projeto. “O preço fixo me causa espanto como consumidor. Se eu posso comprar mais barato, por que vou vou pagar mais caro?”, afirmou à coluna Painel das Letras, da Folha.
O estabelecimento do preço será feito por autores e editores quando do lançamento do novo título. Sobre este preço, livrarias físicas e e-commerces poderão descontar no máximo 10% do valor durante um ano, contados a partir da data de lançamento.
Na Convenção Nacional de Livrarias de 2021, a mesa que debateu o tema foi a mais concorrida. Alexandre Martins Fontes, da Livraria Martins Fontes, foi um dos que fez coro sobre o PL. Para ele, o cenário de confronto com a Amazon, gigante virtual, é muito difícil. “Não pode estar certo uma empresa que não depende de vender livros o direito de aplicação de preços que as empresas que dependem dessa venda não consigam praticar”.
No parecer do senador Prates, o relator reforça o foco do PL. “A proteção aos livreiros, livrarias e editoras é uma questão de vida ou morte para o setor editorial e para a literatura, cultura, pesquisa, arte e ciência”, escreveu no documento. “O que o PL faz é conceder […] um alívio vital a quem se dedica aos livros integralmente”.
Momento para o PL 49/2015 é mais que propício
A aprovação do PL 49/2015 é considerada um movimento de ajuda importante ao setor. O impulsionamento das grandes redes de livrarias e, mais recentemente, o fortalecimento do mercado digital, especialmente da Amazon, colocou em xeque a sobrevivência de pequenas livrarias e livreiros especializados. Curiosamente, esse segundo ponto veio a impactar, posteriormente, as grandes cadeias de livrarias.
Tudo acontece em um momento que o varejo de livros vem apresentando bons números. No ano passado, o crescimento no setor foi de 29,36% em volume, e de 29,28% em faturamento. O faturamento do segmento literário em 2020, por exemplo, passou de R$ 500 milhões para R$ 923 milhões.
A pesquisa “Painel do Varejo de Livros no Brasil”, realizada pela Nielsen Bookscan e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros, prevê aumento no número de livros vendidos no país. Até o fim de abril, já eram mais de 10 milhões de unidades comercializadas, 19,5% a mais que no mesmo período de 2021.
O problema é que grande parcela dessa fatia tem ficado com a Amazon. De acordo com os dados de 2021 do setor, as vendas exclusivamente virtuais já estavam praticamente empatadas com a das livrarias físicas: 29,9% e 30%, respectivamente. Conforme o parecer dado na CAE, é esse o cenário que torna mais importante a construção de uma política que favor da sobrevivência da bibliodiversidade.
“O desaparecimento das livrarias e livreiros […] contribuirá para a constituição de um monopólio ou oligopólio de comércio de livros que, se num momento inicial pode parecer trazer preços para baixo, certamente, ao fim do processo de exterminação dos agentes menores e locais, implicará em uma manipulação de preços sem limites e sem concorrentes”.
Com o recesso parlamentar próximo, o prazo para que a tramitação siga mais rápido e ainda este ano é curto.
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