Sempre que esta época do ano chega os jornais e portais do Brasil e do mundo iniciam uma série de publicações sobre o ano literário. Enquanto alguns veículos lançam listas numéricas, que podem ir de 50 a 100 melhores livros do ano, nós da Escotilha optamos por refletir sobre a leitura que fizemos ao longo de 2017.
Um ano raramente é recheado com leituras apenas de lançamentos, e somamos a isso o risco de fazer uma lista, que pode resultar em injustiça ou, o que é pior, em juízo de valor raso. Tendo como parâmetro nosso compromisso editorial, convidamos jornalistas, escritores e críticos literários a compartilharem juntamente com nossa equipe quais foram os 10 melhores livros que leram ao longo deste 2017.
A disponibilização das listas seguiu a ordem alfabética dos nomes das pessoas que participaram da elaboração deste texto. A ordem das obras foi mantida conforme o que nos foi enviado.
Pete Rissati
• Kindred – Laços de sangue, de Octavia Butler (trad. Carolina Caires Coelho), Morro Branco.
Considerada a primeira dama da ficção científica nos EUA, Butler nos apresenta Dana, escritora negra dos anos 1970 que se vê transportada ao passado, no qual ela precisa lidar com a dura realidade de seu povo e com a própria história.
• 24/7 – Capitalismo tardio e os fins do sono, de Jonathan Crary (trad. Joaquim Toledo Jr.), Ubu.
Esta não ficção é muito Black Mirror. Impressiona como Crary consegue mostrar ao leitor que a última barreira do capitalismo em que vivemos é o sono e como as grandes corporações estão lutando para derrubá-la. Assustador e muito bem documentado, 24/7 é o tipo de obra que é aparentemente simples, mas que tem uma profundidade gigantesca.
• Série A amiga genial (Tetralogia Napolitana), de Elena Ferrante (trad. Maurício Santana Dias), Biblioteca Azul.
Depois de passado o hype, mergulhei na tetralogia napolitana com força total. Li em uma velocidade para que o fim do terceiro livro casasse com o lançamento do último, que só aconteceu em junho de 2017. Fiquei encantado com a vida de Lina e Lenu, uma história de um desaparecimento e de muitas descobertas. Valeu a pena sofrer de #FerranteFever por um tempo.
• O tribunal da quinta-feira, de Michel Laub, Companhia das Letras.
Outro livro que teve um grande hype, bastante merecido, por sinal. Neste mundo de internet, onde estamos sendo mais vigiados que os personagens de 1984, um olhar bisbilhoteiro pode nos jogar neste grande tribunal virtual. É o que acontece com o publicitário José Victor, que é exposto pela ex-mulher e precisa encarar o grande e hipócrita júri da internet.
• Tudo que deixamos para trás, de Maja Lunde (trad. Kristin Lee Garrubo), Morro Branco.
Também uma distopia, mas que se passa em três tempos: em 2098 pelos olhos de Tao, uma chinesa polinizadora, em 1852, na pele de William, o dono de um armazém, e em 2007, na história do americano George, um empresário da apicultura. O que une os três? As abelhas. Um livro muito interessante e um alerta ao fenômeno do desaparecimento desses insetos.
• Romancista como vocação, de Haruki Murakami (trad. Eunice Suenaga), Alfaguara.
Um não ficção com gosto de ficção, esse livro não é apenas um manual de escrita feito pelo grande e controverso autor japonês, mas também uma confissão de fé no ato de escrever. Murakami conta muito de sua história na escrita e de como chegou ao posto de estrela da ficção japonesa no mundo.
• Laços, de Domenico Starnone (trad. Maurício Santana Dias), Todavia.
Ainda inebriado com a tetralogia napolitana de Ferrante, encarei Laços. Um romance curto, mas potente, que cobre cinco décadas de uma família e prova que ela pode ser tanto o núcleo firme da sociedade como uma célula disforme e frágil. Como os personagens de Ferrante, Aldo e Vanda, além dos filhos e dos coadjuvantes de Laços são extremamente reais.
• Uma vida pequena, de Hanya Yanagihara (trad. Roberto Muggiati), Record.
Já tinha ouvido muito falar do livro – e das lágrimas que causa – antes de encarar suas 784 páginas da pura desgraça do milho verde. Certamente a história de Jude é uma das mais tristes que a literatura contemporânea norte-americana produziu nas últimas décadas. Também uma história de amizade que vence o tempo, cada vez mais incomuns nos dias de hoje.
• Tsugumi, de Banana Yoshimoto (trad. Lica Hashimoto), Estação Liberdade.
Muitas vezes a aparente fragilidade pode esconder forças terríveis. A pequena Tsugumi que dá nome ao livro, uma moça toda adoentada, também consegue ser terrível quando quer. Maria, sua prima, revela vários aspectos da vida de Tsugumi e da própria vida em um relato nostálgico.
• Nós, de Ievguêni Zamiátin (trad. Gabriela Soares), Aleph.
Considerado o avô das distopias, inspirador de clássicos da ficção científica como 1984 e Admirável Mundo Novo, é uma sátira aos regimes totalitários, mas que foi levada muito a sério: publicado originalmente em 1923 fora da Rússia, sua publicação na terra natal de Zamiátin só aconteceu no fim dos anos 1980.
Tamlyn Ghannam | LiteraTamy
• Stoner, de John Williams (trad. Marcos Maffei), Rádio Londres.
Ao narrar a trajetória de Stoner, um homem comum, de origem simples, que descobre na academia o seu amor pelas letras, reinventando-se a partir da literatura, John Williams questiona o sentido da vida, de maneira objetiva e envolvente, testando os limites de uma existência que só obtém validade por suas paixões. Qualquer amante dos livros pode, perigosamente, identificar-se com o protagonista da obra publicada pela editora Rádio Londres, e muito possivelmente posicioná-lo entre as melhores leituras já feitas.
• Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, Nova Fronteira.
Depois de lido uma vez, o maior romance do autor mineiro só tem a ganhar nas releituras. Partindo do monólogo de Riobaldo, um jagunço letrado e apaixonado, residente e grande conhecedor do sertão brasileiro, Guimarães Rosa compõe um romance de formação do Brasil com impressionantes dimensões metafísicas, abarcando em si tudo o que há de mais importante para a vida real, além de presentear seus leitores com aquela que figura entre as mais belas histórias de amor da literatura mundial.
• Morangos mofados, de Caio Fernando Abreu, Nova Fronteira.
A prosa intimista e invasora de Caio F. Abreu fortifica o gênero dos contos. Os textos curtos de Morangos mofados suscitam nos leitores efeitos tão ou mais impactantes quanto os causados por grandes romances. O escritor gaúcho revira-se do avesso e deposita um pouco do resultado dessa suposta bagunça nas fôrmas poéticas de cada narrativa do livro, captando o que há de essencial – e inexplicável – em ser humano.
• A paixão segundo GH, de Clarice Lispector, Rocco.
É preciso tomar fôlego para ler Clarice Lispector, sobretudo quando se trata de A paixão segundo GH. A descoberta de uma barata dentro do armário desencadeia na narradora do curto romance uma série de reflexões sobre a sua própria condição, refletindo em si os paradoxos e inseguranças inerentes, em menor ou maior medida, a todos nós. O trabalho de potencializar o mínimo, tão frequente nas obras da autora, pode ser insustentável para alguns leitores, mas uma coisa é certa: depois de GH, ninguém sai o mesmo.
• A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera (trad. Teresa Bulhões Camargo da Fonseca), Companhia das Letras.
Diferente da maior parte dos romances convencionais, o mais aclamado livro do autor tcheco inova o gênero romanesco ao introduzir em sua narrativa fórmulas ensaísticas, levantamentos filosóficos e dados historiográficos. Essa mistura ousada acaba resultando em um intenso estimulante de autojulgamentos necessários, ainda que mormente evitados – sem contar a presença de Sabina, uma das mais encantadoras personagens da literatura ocidental, cuja leveza seduz não só os personagens com quem convive, como também os próprios leitores.
• Guerra e Paz, de Liév Tolstói (trad. Rubens Figueiredo), Cosac Naify.
Clássico e gigantesco romance russo, Guerra e Paz faz caber em si um pouco de tudo, sob a disposição formal impecável de Tolstói. Personagens, enredo e experiência de leitura inesquecíveis e insuperáveis.
• Ciranda de pedra, de Lygia Fagundes Telles, Companhia das Letras.
O romance de estreia da autora paulistana já prenuncia o enorme talento que se consolidará durante a vida literária de Lygia. A história do desenvolvimento de Virgínia, tão próxima, real, e assim quase palpável, é arquitetada de modo a nos fazer participar dos círculos dos quais a personagem faz parte, envolvendo-nos imperceptivelmente com seus personagens e aprendizados.
• Lavoura arcaica, de Raduan Nassar, Companhia das Letras.
Reformulando a parábola do filho pródigo, Nassar constrói um romance curto, mas impetuoso, que insurge-se contra os ditames familiares e morais que imperam sobre André, o protagonista. No livro, a cada elemento é conferida importância: a casa, a terra, a mesa… tudo opera significativamente para que a obra afirme-se como uma das mais importantes e bem construídas da literatura brasileira.
• Desterros: histórias de um hospital-prisão, de Natalia Timerman, Elefante.
Baseado na experiência da autora como psiquiatra no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário de São Paulo, Desterros traz relatos vivenciados por ela no exercício da profissão, relatos estes que escancaram a dura e desprezada realidade dos presídios paulistas. Mais surpreendente que a temática dura do livro é o domínio de linguagem de Timerman, que une magistralmente sua prosa poética a um argumento cruel.
• Fausto: uma tragédia, de Goethe, Editora 34.
Em seu clássico livro, o alemão Goethe nos apresenta a um professor erudito e insatisfeito que, tentado pelo demônio, firma com ele um pacto responsável por conter em si a (e alterar os rumos da) humanidade. A história de Fausto é narrada em versos minuciosamente elaborados, cujo primor foi mantido na excelente tradução direta da língua alemã por Jenny Klabin Segall, publicada pela editora 34.
Marilia Kubota
• Vasto mundo, de Maria Valéria Rezende, Alfaguara.
A Vila da Farinhada é um pretexto para explorar personagens que têm um vasto mundo dentro de si. Cada personagem tem uma história e aparece em outras histórias do livro, marcadas pela subversão e utopia. Primeiro livro de ficção da autora, publicado em 2001 e republicado em 2015.
• No seu pescoço, de Chimamanda Ngozi Adichie, (Trad. Julia Romeu), Companhia das Letras.
Contos em que uma das melhores escritoras de literatura contemporânea aborda como o outro – o estrangeiro, a mulher, o de classe inferior – é visto na sociedade hierárquica. Chimamanda incorpora elementos da paisagem e cultura nigeriana tornando-a familiar ao leitor, sem muitas explicações a fatos históricos, geográficos ou culturais.
• O Japão no Feminino – Tanka século IX a XI e Japão no Feminino – Haiku – Século XVII a XX, de Luiza Freire, Assírio Alvim.
Estudos da pesquisadora portuguesa Luísa Freire sobre a poesia escrita por mulheres no Japão nos períodos clássico e moderno. Tankas escritos por autoras como Ono no Komachi (834 – ?) e Izumi Shikibu (974-1034) e haicais por contemporâneas de Bashô e outros mestres.
• Quando o imperador era divino, de Julie Otsuka (trad. Lilian Jenkino), Grua Editora.
Narração da história de uma família norte-americana asiática aprisionada num campo de concentração. Cada capítulo é narrado por um personagem diferente e tem um tom intimista, evitando sentimentalismos.
• O Buda no Sótão, de Julie Otsuka (trad. Lilian Jenkino), Grua.
Uma voz coletiva enumera acontecimentos na vida de personagens japoneses femininos imigrantes aos Estados Unidos, em 1910. Casamento arranjado e violência doméstica são temas comuns no contexto histórico dos campos de concentração americanos.
• A Valise do Professor, de Hiromi Kawakami (trad. Jefferson José), Estação Liberdade.
Vencedor do Prêmio Tanizaki, apresenta um romance inusitado entre uma mulher adulta e desiludida e um professor de literatura. Ambos são alcóolicos e se encontram num bar.
• Histórias de leves enganos e parecenças, de Conceição Evaristo, Malê.
Doze contos e uma novela, em que o mágico e o maravilhoso se entranham nas narrativas. A invocação do sobrenatural remete à tradição oral, que através de relatos de antepassados, povoaram a imaginação da autora quando criança.
• Hibisco Roxo, de Chimamanda Ngozi Adichie (trad. Júlia Romeu), Companhia das Letras.
História da família da jovem adolescente Kambili, destruída pela violência incorporada por seu pai, que representa o espírito do colonialismo na África.
• Quarenta dias, de Maria Valéria Rezende, Alfaguara.
Prêmio Jabuti de Melhor Romance de 2015, é uma ficção sobre a migração dos nordestinos ao Sul do país. Alice, professora de francês aposentada, ao mudar de João Pessoa para Porto Alegre, empreende uma aventura na periferia da capital gaúcha ao buscar um conterrâneo.
• Poemas, de Gilka Machado – Poesia Completa, organização Jamyle Rkain, Demônio Negro.
Depois de 24 anos em que teve a obra esgotada, a poesia de Gilka Machado é resgatada. Primeira mulher a escrever poesia erótica no Brasil, foi uma das mais importantes escritoras dos anos 20.
Jonatan Silva
• Frantumaglia, de Elena Ferrante (trad. Marcello Lino), Intrínseca.
Espécie de autorretrato literário da escritora italiana, o livro é uma pérola para a sua legião de leitores. O volume abraça desde as primeiras cartas com os editores italianos até conversas mais recentes com jornalistas de todo o mundo.
• Belchior: apenas um rapaz latino-americano, de Jotabê Medeiros, Todavia.
A biografia é fundamental para entender o mito que cerca o cantor e compositor sobralense. O livro é o resultado de entrevistas, pesquisas e peregrinações aos santuários belchioranos.
• Instrumental, de James Rhodes (trad. Luis Reyes Gil), Rádio Londres.
Memórias do pianista britânico, o livro narra as consequências dos abusos sofridos ao longo de cinco anos – dos 6 aos 11 anos pelo professor de educação física. Diferentemente do que possa aparentar, Instrumental não é um catálogo de acusações, ao contrário, é uma jornada de autoconhecimento e descoberta do mundo.
• O Torcicologologista, Excelência, de Gonçalo M. Tavares, Dublinense.
A ironia – que já transparece no título – é levada às últimas consequências na história de um país/lugar no qual a população sofre uma epidemia de torcicolos e é preciso chamar um especialista no assunto para resolver a questão. O torcicolo pode muito bem ser uma metáfora para as atribulações cotidianas e as incongruências de uma sociedade cada vez mais apartada de seu caráter humano.
• Cabeça de adulto, de Jeff Tweedy (trad. Fernando Koproski), Banquinho.
Com tradução do curitibano Fernando Koproski, o livro é um nada óbvio manual de amadurecimento do homem contemporâneo. Com um estilo muito próprio e que, sim, remete à sua carga como letrista, Tweedy molda a palavra à guisa de fazê-la imagem.
• O que é o fascismo? E outros ensaios, de George Orwell (trad. Paulo Geiger), Companhia das Letras.
Conjunto de textos do autor escritos em 1984, o livro é uma importante reflexão sobre os nossos tempos – ainda que o ensaio que dá nome à obra remeta à (quase nada) longínqua década de 1940. Leitura obrigatória.
• O espírito da ficção científica, de Roberto Bolaño (trad. Eduardo Brandão), Companhia das Letras.
Escrito em 1984, o livro foi revisado durante toda a vida do autor de Detetives Selvagens e já havia se tornado uma espécie de mitologia na bibliografia do chileno.
• A mil beijos de profundidade, de Leonard Cohen (trad. Fernando Koproski), 7Letras.
Pensar em Cohen é refletir sobre o valor do verso, sobre a potência da poesia e a importância do fazer poético. Alguns dos poemas são bem conhecidos: “Chelsea Hotel #2”, “So long, Marianne”, “Hey, that’s no way to say goodbye”, “I’m your man”, “Hallelujah” e outros. Todos eles se transformaram em canções imortalizadas pelo próprio Cohen e por uma miríade de intérpretes – de Renato Russo à Lana del Rey.
• Quando eu tinha cinco anos eu me matei, de Howard Buten (trad. Alexandre Barbosa de Souza), Rádio Londres.
O autor cria uma narrativa pungente que, combinada a elementos do nonsense, projeta o leitor para o universo íntimo do pequeno Burt, cujo limite entre a realidade e o devaneio é extremamente tênue. É possível ouvir a voz do narrador falando aos ouvidos, como uma conversa em sintonia fina.
• Set the boy free, de Johnny Marr – [não publicado no Brasil].
O livro é um trabalho competente de memória, com uma narrativa sedutora e muito mais fluída que a de seu ex-parceiro, Morrissey. É espantosa a maneira como o guitarrista conta os episódios de sua vida, fazendo com que não pareça o dia a dia de um rockstar: Marr está muito mais para pai de família despojado, que para o compositor de “Hand in glove” ou de “There is a light that never goes out”.
Luciano Simão
• As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino (trad. Diogo Mainardi), Companhia das Letras.
A nova edição da obra de Italo Calvino, publicada este ano pela Companhia das Letras, é um belo exemplar de como revitalizar o interesse por um clássico, trazendo belas ilustrações inéditas das metrópoles fantásticas do mestre italiano. O tema central do livro – a relação simbiótica entre o homem e o organismo urbano – só parece ganhar força com o passar das décadas. Em um mundo de megalópoles inteligentes, cada vez mais intensas e conectadas, explorar as cidades surreais de Calvino é um respiro necessário.
• As Coisas que Perdemos no Fogo, de Mariana Enriquez (trad. José Geraldo Couto), Intrínseca.
Talvez a mais surpreendente coletânea de contos do ano, o livro da argentina Mariana Enriquez cravou suas raízes aterradoras na minha memória e não deve sair de lá tão cedo. Narrando fragmentos de uma Argentina surreal, mas terrivelmente familiar, a escritora demonstra toda a sua maestria na arte do conto. O maior mérito da obra é a utilização de elementos do grotesco para criar uma atmosfera angustiante na medida exata, sem exageros ou lacunas excessivas. Uma leitura essencial para todo fã do horror contemporâneo.
• Crônica do Pássaro de Corda, de Haruki Murakami (trad. Eunice Suenaga), Alfaguara.
Haruki Murakami: quem ama, ama; quem odeia, odeia. Mas a publicação da primeira edição brasileira de Crônica do Pássaro de Corda, clássico absoluto da obra do polêmico escritor japonês, vem para agradar tanto os fãs quanto muitos detratores do autor. Demonstrando grande habilidade ao equilibrar conteúdo e forma, e com pleno domínio das temáticas filosóficas apresentadas ao longo da trama, Murakami insere o leitor no subconsciente do protagonista, que se confunde com a realidade geográfica de uma Tóquio paralela minuciosamente arquitetada por um autor com profundo conhecimento do que significa contar uma história.
• O Filho de Mil Homens, de Valter Hugo Mãe, Biblioteca Azul.
O lirismo inesgotável da prosa do português Valter Hugo Mãe é algo realmente impressionante. Dotado da capacidade aparentemente infinita de extrair poesia de toda e qualquer relação humana, Mãe é um escritor à altura do hype. Apesar de lançado em 2011, destaco O Filho de Mil Homens como uma das melhores leituras de 2017 devido à temática da obra: o amor universal que insiste em existir entre todos os homens. Em tempos difíceis – para o Brasil e o mundo –, é importante manter esse sentimento em mente.
• Gente Independente, de Halldór Laxness (trad. Cid Knipel), Editora Globo.
Originalmente publicado em 1934, a obra-prima do escritor islandês Halldór Laxness, vencedor do Prêmio Nobel, é um primoroso romance épico ambientado no desolado interior da Islândia. Abordando o eterno conflito entre o homem e a natureza, o livro narra a história do estoico Bjartur, recém proprietário de sua própria fazenda, que trava uma batalha sem fim contra as forças da terra e os fantasmas do seu país em busca de sua própria independência. Uma leitura árdua, mas necessária.
• A Glória e seu Cortejo de Horrores, de Fernanda Torres, Companhia das Letras.
Em seu segundo romance, a filha de Fernanda Montenegro comprova novamente ser muito mais que isso (como se precisasse!), estabelecendo firmemente sua voz autoral como uma das mais interessantes do momento. Além do curioso título, que sintetiza os elementos temáticos da obra, a história do azarado ator Mario Cardoso, narrada em primeira pessoa, é a história do próprio ator brasileiro – e da indústria do entretenimento televisivo como um todo. Divertido e tocante em doses similares, é um ótimo livro para ler à beira da piscina.
• Os Irmãos Karamázov, de Dostoiévski (trad. Paulo Bezerra), Editora 34.
Escolhi o clássico de Dostoiévski como uma das leituras do ano devido aos recentes desdobramentos políticos do país: assistimos, estupefatos, enquanto tentáculos de grupos reacionários ameaçaram sufocar a própria liberdade artística. Em artigo publicado este ano, enfatizo a atualidade da parábola do Grande Inquisidor, talvez a mais célebre passagem do clássico: “À luz de Dostoiévski, mesmo os recentes desdobramentos culturais e sociopolíticos do Brasil podem ser analisados com maior clareza. Afinal, a figura do Grande Inquisidor encontra paralelos nas mais diversas esferas de nossa sociedade: à frente de igrejas, no comando de fisiológicos partidos políticos e encabeçando movimentos de censura à arte, diversidade e cultura nacional.”
• Paciência, Daniel Clowes (trad. Jim Anotsu), Nemo.
2017 foi um ano excelente para fãs do brilhante cartunista Daniel Clowes: além da publicação da edição comemorativa de 20 anos de Ghost World, os leitores brasileiros também tiveram sua primeira edição de Paciência. Em páginas que são verdadeiras obras de arte, Clowes cria uma narrativa imprevisível e enérgica, injetando criatividade e nova vida no estagnado gênero das histórias de viagem no tempo. Um sci-fi psicodélico com tons de noir, imperdível para quem quer conhecer HQs além de Batman e X-Men.
• Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick (trad. Ronaldo Bressane), Aleph.
Assim que saí da sala do cinema após assistir Blade Runner 2049, a intensa e belíssima sequência do clássico de 1982, fui tomado pelo desejo de reler a obra original de Philip K. Dick, meu autor de sci-fi favorito. Embora ainda prefira obras como Ubik ou Os Três Estigmas de Palmer Eldritch, Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? é um dos grandes triunfos do escritor, uma narrativa instigante com ambientação impecável. Publiquei uma lista com 5 motivos para ler o livro – confira!
• O Dom, de Vladimir Nabokov (trad. José Rubens Siqueira), Alfaguara.
A edição brasileira, publicada este ano pela Alfaguara Brasil, é mais um exemplo da genialidade da mente sombria por trás de Lolita. O último romance escrito por Nabokov em sua língua natal, O Dom foi também considerado pelo próprio autor seu maior êxito em literatura em língua russa. O escritor Fyodor, protagonista da obra, é uma figura menos trágica do que a maioria das personagens centrais de Nabokov, um autor russo radicado em Berlim após fugir com a família da Revolução Bolchevique. A própria literatura é um dos pilares temáticos do romance, abordada com a virtuosidade que é característica do autor. Uma leitura importante para fãs de Nabokov, entusiastas da literatura russa – e apaixonados por literatura em geral.
Luis Henrique Pellanda | Escritor
• Uma sensação estranha, de Orhan Pamuk, (trad. Luciano Vieira Machado), Companhia das Letras.
Passeio político, lírico e comovente por Istambul, uma megalópole que se agiganta e se transforma, guiado por Mevlut, um vendedor ambulante de boza. Uma história de amor e resistência, acerca da “sensação estranha” de se estar sozinho em família, no trabalho, na cidade e na própria história do país e da humanidade.
• As coisas que perdemos no fogo, de Mariana Enriquez (trad. José Geraldo Couto), Intrínseca.
Contos que atualizam uma velha ideia de terror literário, ou melhor, que a recriam, fundando um gênero novo, em que o monstro em cada um de nós se confunde com a monstruosidade das cidades e práticas contemporâneas. A autora constrói suas histórias com vigor e sensibilidade, a fim de discutir, indiretamente, a Argentina de ontem e de hoje.
• O palácio da memória, de Nate DiMeo (trad. Caetano W. Galindo), Todavia.
Escritos para serem lidos pelo próprio autor no podcast The Memory Palace, esses contos foram publicados em livro pela primeira vez no Brasil. Transcritas, traduzidas e selecionadas por Caetano Galindo, são histórias reais, quase inacreditáveis, sobre pessoas e animais extraordinários. Leitura apaixonante, um grande exemplo de como a melhor linguagem pode se pôr a serviço das melhores narrativas.
• A aranha negra, de Jeremias Gotthelf (trad. Marcus Vinicius Mazzari), Editora 34.
Obra-prima do escritor suíço Jeremias Gotthelf, relata o caso de uma aranha negra de dimensões monstruosas, que castiga e dizima o povo de uma pequena cidade no cantão de Berna. Escrita em 1842, a novela mistura pactos demoníacos, superstições e preconceitos populares e o pânico causado pela peste negra na Idade Média, antecipando, de certa forma, o horror que tomaria conta da Europa no século 20.
• Manual da faxineira, de Lucia Berlin (trad. Sonia Moreira), Companhia das Letras.
Antologia com alguns dos melhores contos da norte-americana Lucia Berlin, morta em 2004, mas que só agora, a partir dessa publicação, atingiu um público mais amplo e conquistou o reconhecimento que merece. Berlin é uma típica artesã de narrativas curtas, e seus textos, mais ou menos autobiográficos, obedecem a uma lei muito simples: “O que importa é a história”. Vale cada linha.
• A hipótese humana, de Alberto Mussa, Record.
Quarto livro da pentalogia que Mussa vem publicando já há algum tempo sobre a história do Rio de Janeiro. Cada livro se passa num século, numa receita que mescla memorialismo e mitologia, ensaio e romance policial. Neste livro, referente ao século 19, o detetive capoeirista Tito Gualberto investiga o assassinato de sua própria amante.
• Anjo noturno, de Sérgio Sant’Anna, Companhia das Letras.
Sérgio Sant’Anna, autor de O voo de madrugada, continua publicando coletâneas de contos de primeiríssima qualidade, ano após ano. Em Anjo noturno, ele retoma suas velhas obsessões temáticas — o sexo, a morte, a arte, a noite, a insônia — e a elas acrescenta inesquecíveis contos de viés memorialístico. Destaque para a obra-prima “Talk show”.
• Não adianta morrer, de Francisco Maciel, Estação Liberdade.
Romance vencedor do Prêmio Minas Gerais de Literatura de 2012. O autor, nascido em São Gonçalo, constrói aqui um painel de histórias de rara força e verossimilhança. Tudo se passa no bairro carioca do Estácio, cenário que o escritor descreve como um “tabuleiro de damas e cavalheiros”, onde se cruzam e digladiam personagens como Guilê Xangô, Dafé, Vovô do Crime e dezenas de outros.
• A peça intocada, de Luci Collin, Arte & Letra.
Novo livro de contos da curitibana Luci Collin, cuja prosa e poesia inventivas vêm merecidamente conquistando cada vez mais leitores Brasil afora. Numa entrevista recente, ao Rascunho, Luci disse que sua maior preocupação, ao escrever, era “manter o frescor do jogo, das combinações abertas e inusitadas para que se mantenham divertidas e, sem serem levianas, estimulem a alguma reflexão”. É exatamente isso o que ela consegue nesses contos.
• Não está mais aqui quem falou, de Noemi Jaffe, Companhia das Letras.
Livro de “crônicas” da paulista Noemi Jaffe, cujo espírito talvez se resuma perfeitamente em sua frase de abertura: “Tudo está nas palavras, inclusive eu e você”. Apaixonada por elas, a autora, recria aqui mitos, parábolas e personagens mais ou menos reais, para nos proporcionar um novo filtro (político e etimológico?) através do qual observar o mundo à nossa volta.
Eder Alex
• As coisas que perdemos no fogo, de Mariana Enriquez (trad. José Geraldo Couto), Intrínseca.
Nada me surpreendeu mais este ano do que os contos de terror impressionantes escritos pela argentina Mariana Enriquez. A inteligente mistura de elementos tradicionais do gênero e questões sociais/históricas acabou por produzir as histórias mais assustadoras que li nos últimos anos.
• Nossas Noites, de Kent Haruf (trad. Sonia Moreira), Companhia das Letras.
O livrinho escrito pelo norte-americano Kent Haruf surgiu meio que do nada, pois ninguém o conhecia muito bem, foi se espalhando através do boca a boca de leitores entusiasmados e eis que me vi com uma edição em mãos, chorando de forma copiosa. Acho que o que há de mais brilhante neste romance, além dos ótimos personagens, é forma como ele conseguiu contar a história sempre buscando uma aparente simplicidade na linguagem, possibilitando que os diálogos se tornassem absurdamente críveis, humanos, e ao mesmo tempo cheios de nuances, fazendo com que aquele universo ficcional passasse a existir de forma quase palpável.
• Anos de Formação: Os Diários de Emilio Renzi, de Ricardo Piglia (trad. Sergio Molina), Todavia.
Os aclamados diários do escritor argentino Ricardo Piglia são praticamente um presente para qualquer pessoa que seja apaixonada pela literatura e pela arte em geral. Este primeiro volume contempla a juventude do autor, seu amadurecimento, sua paixão pelo cinema, suas leituras e seu contato com grandes autores, em especial Jorge Luis Borges. Acho que nenhuma obra é obrigatória pra ninguém, mas se você se interessa por esses temas deveria considerar a leitura dessa aqui, pois chega até a ser difícil de descrever o quanto ela pode representar uma experiência grandiosa pra uma pessoa que ama livros.
• Kindred – Laços de sangue, de Octavia Butler (trad. Carolina Caires Coelho), Morro Branco.
Octavia E. Butler escreveu um dos melhores livros de ficção científica de todos os tempos e ele, inacreditavelmente, nunca tinha sido publicado no Brasil até então. Kindred fala sobre racismo de uma forma tão inusitada quanto impactante. Além de funcionar perfeitamente como um livro de entretenimento, daqueles que você simplesmente não consegue largar a leitura, ele também é um baita soco no estômago, levantando questões perturbadoras que infelizmente ainda permanecem atuais.
• O Vendido, de Paul Beatty (trad. Rogério Galindo), Todavia.
Tem livro que você sabe mais ou menos o que esperar e tem livro que, já na primeira página, te tira o chão e te joga numa narrativa inusitada. É o caso da obra escrita pelo americano Paul Beatty, que mistura um humor absolutamente corrosivo e um discurso crítico dos mais impactantes e relevantes. É tipo de obra que enfia não o dedo, mas sim a mão inteira na ferida. Tá aí um livro que incomoda, que perturba e que jamais te deixa indiferente.
• O Rei de Havana, de Pedro Juan Gutiérrez (trad. José Rubens Siqueira), Alfaguara.
Já li muita narrativa explorando o mundo cão, mas acho que nada tão forte quanto a obra do cubano Pedro Juan Gutiérrez. Extremamente erótico e brutal, a obra desvela um lado não muito bonito da famosa ilha.
• A Descoberta da Escrita, de Karl Ove Knausgård (trad. Guilherme da Silva Braga), Companhia das Letras.
Há algo fascinante e difícil de explicar na obra monumental do norueguês Karl Ove Knausgård, só sei dizer que é troço muito viciante e que todo ano fico contando os dias para o próximo lançamento. O quinto livro da série apresenta como se deu a formação do escritor, os seus primeiros relacionamentos, a banda de rock que participou como baterista e, principalmente, as cagadas que cometeu ao longo da juventude.
• O cão mentecapto, de Otavio Linhares, Arte & Letra.
Os contos da coletânea escrita pelo curitibano Otavio Linhares nos apresentam uma realidade desoladora, composta por violência e solidão. Através de um trabalho impressionante no desenvolvimento da linguagem, sempre impregnada de intensa oralidade, o autor escreveu o melhor livro brasileiro que li esse ano.
• Manual da faxineira, de Lucia Berlin (trad. Sonia Moreira), Companhia das Letras.
Auto-ficção é um negócio que geralmente dá uma preguiça danada, porém no caso de Lucia Berlin, que levou uma vida tão intensa, quase inacreditável, a coisa muda um pouco de figura. Os contos falam de alcoolismo, família e solidão nas grandes cidades. Além de um controle absurdo da técnica da narração curta, com diversas experimentações de ritmos e formas, há toda uma carga dramática, por causa das questões biográficas, que tornam algumas histórias bem doloridas, mas há também leveza e bom humor.
• Laços, de Domenico Starnone (trad. Maurício Santana Dias), Todavia.
Vi alguns amigos falando muito bem do livro do italiano Domenico Starnone, porém não estava preparado para o rolo compressor emocional que me atropelou. Quando você vê o tamanho do livrinho, com tão poucas páginas, não imagina o tamanho do impacto que aquela história sobre o fim de um casamento, narrado por diferentes pontos de vista, pode causar.
Juliana Gomes | Leia Mulheres
• Inventário (1951 – 2002), de Laís Corrêa de Araújo, Editora UFMG.
Autora homenageada na Feira do livro de Minas Gerais e foi uma surpresa incrível com sua poesia singular.
• Jamais o fogo nunca, de Diamela Eltit (trad. Julian Fuks), Editora Relicário.
Já conhecia Diamela por seu ativismo em que a arte é mola propulsora. Neste romance, ela traz à tona os problemas da ditadura com um romance como pano de fundo.
• Estamos bem, de Nina Lacour (trad. Regiane Winarski), Editora Plataforma 21.
Young adult que mostra com delicadeza questões como luto e homossexualidade. O final poderia ser melhor mas não reduz a qualidade do livro.
• Desterros: histórias de um hospital-prisão, de Natalia Timerman, Elefante.
O olhar de uma psiquiatra num hospital do sistema carcerário. De maneira simples ela retrata a vida desses homens e mulheres esquecidos pela sociedade e até mesmo por suas famílias.
• Heroínas negras brasileiras, de Jarid Arraes, Editora Pólen.
Um marco, porque devido aos apagamentos da nossa história, mulheres importantes não estão nos livros de história, mas por meio de cordeis Jarid nos apresenta mulheres negras incríveis.
• Fome, de Roxane Gay (trad. Alice Klesck), Editora Globo.
Já conhecia a autora por seus artigos e referências, esse livro me trouxe uma nova abordagem de como se aceitar e porque não, se perdoar!
• O peso do coração de um homem, de Mcheliny Verunschk, Editora Patuá.
Na minha opinião, a autora é umas vozes mais potentes da atual literatura contemporânea brasileira, sem clichês como um thriller.
• Manual da faxineira, de Lucia Berlin (trad. Sonia Moreira), Companhia das Letras.
A pergunta é “por que nunca li Lucia e por que nunca tinha saído nada da autora?”. O melhor livro de contos que li nos últimos anos.
• Ensaios para a queda, de Fernanda Fatureto, Editora Penalux.
Autora estreante que mescla estilos e deixa claro que tem muito a mostrar.
• Kindred – Laços de sangue, de Octavia Butler (trad. Carolina Caires Coelho), Morro Branco.
A grande dama da ficção científica, primeira autora negra do gênero a ganhar notoriedade. Utiliza a distopia para discutir problemas contemporâneos.