Quando máquinas do tempo forem tão acessíveis quanto um café, eu gostaria de trazer à nossa época alguns autores cujos livros foram recusados nas editoras. As razões e as desculpas de quem os barrou na publicação variam entre querer apostar no livro, mas não o fazer porque não vende (sempre o argumento financeiro), ou não confiar nem um pouco no material. Por essas e outras, eu gostaria de mostrar àqueles algumas iniciativas da nossa época, que caminham na contramão do mercado editorial, ou preferem não se incomodar com ele por razões próprias.
Durante uma oficina literária na livraria Poetria Livros e Arte, ministrada pelo professor e escritor Otto Leopoldo Winck, em 2014, começaram a surgir ideias para um livro feito pelos alunos, onde cada um encontraria com um escritor, e assim nasceu Torre de Papel. Sob orientação de Winck, na antologia organizada por Ana Camargo temos um conto onde vemos alguém enganado por um recluso vampiro, uma discussão com Oscar Wilde, um sonho com O Nome da Rosa, de Umberto Eco, um passeio com o Pequeno Príncipe em Curitiba, e outras formas de expressar um vínculo pessoal com a literatura por meio de um conto, tateando um caminho nas letras como os autores fizeram no passado. Torre de Papel foi lançado em 2015 de forma independente, mesmo ano em que a Poetria, cenário de alguns dos contos, encerrou suas atividades, também lembradas nas páginas da Torre.
Outra publicação independente é a antologia Sentimentos à Flor da Pele, organizada por Anna Schermak e Vilto Reis, dos sites Pausa Para um Café e Homo Literatus, respectivamente. Somam-se a eles participantes dos podcasts literários Cabuloso Cast, 30: MIN, Livrocast, Literário Cast e Drone Saltitante. Os contos de cada um descrevem um sentimento como se este fosse o personagem, premissa emprestada dos Perpétuos da saga Sandman, de Neil Gaiman. Acompanhamos um acerto de contas, a queda de uma bomba e um desafio direto à autoridade, e outras histórias curtas onde as emoções, escondidas ou expostas, ditam o ritmo. A antologia foi financiada coletivamente pelo Catarse, em sintonia com o espírito independente dos podcasts.
Em vez de bater em outra porta após um não, os grupos viabilizaram os próprios sins, o que os permite ter mais intimidade com as criações.
Também no espírito “faça você mesmo” da literatura, os escribas do blog Obscenidade Digital também deram forma de livro às suas produções. Entre contos inéditos e já publicados, a antologia Nebulosa é a cara do blog: o cotidiano sem firulas, com situações que muitos de nós já passaram ou conseguimos nos identificar, de uma compra pseudo banal onde se ouve algo estranho ao reconhecimento da importância de alguém. O livro tem ilustrações da artista Caroline Rehbein e o toque dos seus autores em toda a confecção, da identidade visual à montagem e costura dos exemplares.
Os três livros citados são exemplos de publicações independentes, criadas a partir de iniciativas específicas que demorariam muito tempo para vir à tona caso passassem pelo crivo do mercado editorial. Em vez de bater em outra porta após um não, os grupos viabilizaram os próprios sins, o que os permite ter mais intimidade com as criações, que carregam vozes autorais em construção e movimento. Os autores com material recusado, a exemplo de alguns citados no link anexado no começo deste artigo, poderiam aproveitar essas situações conosco e até relaxarem enquanto pensam no sim de uma editora, pois é como o lema do Obscenidade Digital diz: Literatura é Massa.