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Home Literatura

O cão mentecapto

Texto que dá título ao livro 'O Cão Mentecapto', mais recente trabalho de Otavio Linhares, lançado no começo do mês pela ENCRENCA - Literatura de Invenção.

porEscotilha
27 de maio de 2017
em Literatura
A A
O cão mentecapto

Imagem: Reprodução.

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Por Otavio Linhares*, especial para Escotilha

Meu corpo não serve. Não serve pra coisas que eu queria que servisse. Pra certas idiossincrasias. E isso me soa estranho. A palavra idiossincrasia. Meu corpo é pra quase nada. Pra quase nada que me é necessário. Meu corpo não é capaz de fazer aqueles movimentos elásticos de bailarina de co­xas torneadas e canelas grossas difíceis de abarcar com uma mão. Pelo contrário. Meu corpo infelizmente não serve para bailarismos. Acrobacias são para acróbatas.

Eu com dificuldade me equilibro numa corda esticada no chão. E isso já é muito. Meu corpo é uma rocha. Ironicamente tenho estampada no peito uma camiseta que diz que sim eu posso tudo e eles me querem. E o dedo indicador em riste da figura com cara de chefe ordenando na camiseta me incomoda e ela também não serve pra nada. Tiro a camiseta. Ela não serve mais. Tiro a calça também. Não serve. a cueca. As meias. Os anéis. Nada serve. É tudo decorativo.

Agora vejo melhor. Agora que não está mais nebuloso posso enxergar mais claramente. Pra nada. Serve pra nada. Tiro os olhos fora. Eles não servem pra enxergar. São ape­nas dois sacos de guardar quinquilharias. As mãos tateiam. Começam pelos próprios pulsos. São finos e fracos e não suportam o próprio peso das mãos. E elas também não se suportam. Dedos tortos ma­chucados cheios de cacoetes com cutículas de roer que só servem pra segurar as unhas.

Agora vejo melhor. Agora que não está mais nebuloso posso enxergar mais claramente. Pra nada. Serve pra nada. Tiro os olhos fora.

Estão todos fora. E tem o pescoço flácido junto com o tubo esôfago que degringola na goela. Língua e boca não servem mais. Têm uma voz velha e sem uso que vive rouca e inflamada. Corto fora. Os ombros magros levemente caídos dão um tom de cão mentecapto. talvez fique com eles. refletem algo de verdadeiro. O pescoço não. Nem a cabeça. A cabeça não serve pra nada! É uma usina de pro­duzir pensamentos. E é torta demais. De parto feito a fórceps cheia de machucados e curvas. Deve ser a causa das enxaquecas. Não importa. Tiro fora.

Do tronco não quero mais nada. Ali dentro nada serve. Tudo está desgastado. Marcas de tiro chicote arame farpado. Não serve mais. O tronco é a pior parte de todas. A mais difícil de sacar fora. Guarda um coração cansado e ve­lho. Depois da cabeça desencaixada tudo fica mais simples. Fico com o cu e o pau. Sim. O cu e o pau são importantes. As necessidades fisiológicas ainda são meus maiores prazeres.

E tem também o sexo. Sim. O sexo. Reflexiono. O cu e o pau ficam. Junto com os ombros. E por fim as pernas os joelhos os tornozelos e os pés. Tudo lixo. Todas as juntas abaixo da cintura sofrem de alguma doença. De algum modo suportaram o peso do resto e estão flácidas e fracas e cheias de veias saltadas e pelancas e neuroses. Agora não mais. Arranco fora. Pronto. A partir de agora se­rei apenas um cão mentecapto feito de cu e pau. Satisfeito volto pra cama. Deito. Apago.

* Otavio Linhares tem 39 anos e é natural de Curitiba. Tem formação em Filosofia, História, Teatro e Dramaturgia. É editor do selo ENCRENCA e da Revista Jandique.

Tags: Arte & LetracontosCrítica LiteráriaEncrencaEncrenca – Literatura de InvençãoEnsaioLiteraturaO Cão MentecaptoOtavio Linhares

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