Se um livro pode representar um mundo novo a ser explorado, o qual vislumbramos por meio de letras impressas no papel, creio poder considerar então que seus autores são verdadeiros universos. Isso só me reforça a ideia do quanto é fértil o campo que a literatura nos oferece para exploração. E, em meio a tantas possibilidades, o Lombada Literária se propõe a desbravar nessa coluna a literatura paranaense.
Essa decisão tão específica surgiu após um tanto envergonhada perceber que, apesar de amar ler e conhecer vários autores brasileiros e até mesmo estrangeiros, em grande parte eu desconhecia os escritores da minha própria cidade. É aquela velha história: quanto mais perto se está, menos se enxerga. Decidida a mudar essa situação, cá estou eu. E, como o universo parece adorar uma conspiração, dou logo de cara com uma artista que viu num fato pouco conhecido da história do Paraná o pano de fundo perfeito para o seu lançamento no meio literário.
Foi em uma viagem à Ilha do Mel que ao visitar a Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres, Etel Frota se deparou com uma placa que citava um tal de Capitão Joaquim Ferreira Barboza, que teria comandado um ataque a embarcações inglesas, que rebocavam supostos navios negreiros de origem brasileira, ficando conhecido como “Episódio Cormoran”. Sem mais nada nas inscrições, mas com a curiosidade despertada, Etel dedicou cerca de 15 anos em busca de informações sobre esse herói desconhecido.
Apesar da extensa pesquisa, muitas foram as encruzilhadas e becos sem saída, que deixaram muitas lacunas a serem preenchidas, afinal, tudo isso havia acontecido em 1850. Longe de ser um problema, Etel assumiu todos os riscos que um resgate histórico como esse pode oferecer. “Meu objetivo sempre foi escrever uma ficção com base em fatos reais e acontecimentos históricos. Não é para ser um relato fiel da realidade, até porque não há como saber como de fato as coisas aconteceram”, explica.
A menina de família humilde de Cornélio Procópio sem dúvida cresceu e apareceu.
O resultado foi o romance O Herói Provisório (Travessa dos Editores, 2017), que somado à sua carreira no meio musical como letrista e seu envolvimento desde jovem com o universo cultural, lhe rendeu a imortalidade na cadeira nº 22 da Academia Paranaense de Letras (APL), sendo a 12º mulher a integrar a instituição.
A menina de família humilde de Cornélio Procópio sem dúvida cresceu e apareceu. Aos 66 anos, relembra do pai Cândido Batista Souza, mais conhecido como Candinho, seu grande incentivador e também fonte de inspiração para toda vida. “Mesmo semianalfabeto, meu pai achava que a educação e a cultura eram essenciais.”
Foi dele que Etel ganhou aos 6 anos seus primeiros livros, a coleção de enciclopédias Alvorada da Vida, que até hoje guarda com carinho. O pai também se esforçou para que ela tivesse aulas de música e piano dos sete aos quatorze anos, que viriam a ser muito úteis em sua carreira de letrista anos mais tarde. Como uma lição final de dedicação, viu o pai conquistar o diploma universitário em direito, aos 70 anos.
Buscando de certa forma retribuir todo esse empenho paterno, Etel resolveu estudar Medicina. Atuou como clínica geral e foi médica no Banco do Brasil até 1993. Mas, por mais que gostasse da profissão escolhida, o seu lado artístico começou a cobrar atenção. Até que em 1997, conquistou dois prêmios do Segundo Festival de Compositores do Sesc da Esquina, em parceria com Luís Otávio Almeida e Iso Fischer.
Dois anos depois, resolveu largar a medicina de vez e passou a se dedicar exclusivamente à escrita, seja de letras de música, poemas, roteiros e até por fim de um romance. Fez inúmeras parcerias no meio musical e atualmente apresenta na Rádio Educativa do Paraná o programa Poemoda, a Canção em Verso e Prosa, em parceria com o jornalista e pesquisador Alan Romero. Participou também da coletânea Blasfêmeas: Mulheres de Palavra (Casa Verde, 2016), que traz mais de 60 poetas mulheres do cenário contemporâneo brasileiro.
“Desde que optei por me dedicar ao meio cultural tenho me envolvido cada vez mais, aproveitando as oportunidades que aparecem”. É com um olhar extrativista, como assim Etel mesmo define, que ela encara a vida e principalmente sua mais recente aventura ao integrar a Academia. “Cada um ali [da APL] é um universo. Por isso sei que muito mais do que contribuir, tenho muito a aprender com eles”, declara Etel com verdadeira animação. A cultura paranaense que se segure.
O HERÓI PROVISÓRIO | Etel Frota
Editora: Travessa dos Editores;
Tamanho: 286 págs.;
Lançamento: Agosto, 2017.