Ao contrário do que poderia se esperar pelo título, A Fantástica Vida Breve de Oscar Wao, do dominicano-americano Junot Díaz, relata a saga miserável de uma família latina em Nova Jersey, contaminada por uma maldição do fukú, que traz desgraças constantes a todos os Cabral. Situado entre os limites do trágico e do cômico, o enredo básico do romance revela uma narrativa com sotaque e gírias latinas, carregada de referências da alta e baixa cultura pop. A trama familiar – que empresta certa semelhança de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquez – realiza uma crítica política ao próprio sonho americano, frustrado na vida de todos os parentes imigrantes de Oscar.
Premiado com o Pulitzer de melhor obra de ficção em 2008, Oscar Wao se desenrola em uma época pré-internet, e mostra as agruras de um adolescente estranho que se identifica mais com a ficção do que com o contexto em que vive, uma estranhíssima República Dominicana (cenário que inspira a hilária indagação de Yunior, que narra a história, já no prólogo: “o que é mais sci-fi que Santo Domingo?”).
Ainda que sejam impagáveis os capítulos sobre Lola, uma “punk fissurada pela Siouxsie & the Banshees”, e sobre Beli, a matriarca do clã, a verdadeira estrela aqui é Oscar Wao. Quase um alienígena entre os machões dominicanos, o anti-herói Oscar é inadequado, gordo e irritantemente persistente frente a algumas missões impossíveis. São especialmente cômicas as cenas em que o personagem-título tenta seduzir todas as mulheres com quem, acredita, insinua-se uma vaga possibilidade de romance.
A persona fracassada de Oscar, na sua comovente busca pela perda da virgindade, é vista através de um olhar cômico, porém compassivo – ao contrário da Macabéa de Clarice Lispector, o drama de Oscar é ridicularizado e, ao mesmo tempo, absolvido por seus parentes e amigos, que narram sua breve saga.
De narrativa ágil, a obra ainda resgata a linguagem dos quadrinhos, intenção explícita na própria fala do autor, que em entrevista declarou ter tentado contar uma história do jeito como pessoas que cresceram lendo gibis contariam.
Díaz – que levou cerca de 11 anos para concluir o livro – toma a liberdade de amarrar seus personagens com a própria história da República Dominicana. Um dos papéis centrais da obra é ocupado pelo sanguinolento ditador Rafael Leónidas Trujillo (também conhecido como “El Jefe” e “Ladrão de Gado Frustrado”, conforme explicam as abundantes e bem-humoradas notas de rodapé do livro, que elucidam o fundo político da trama), que governou o país durante 30 anos, e cuja interferência é fundamental e ativa na história de toda a família de Oscar. Trata-se, portanto, de um romance que ousa jogar entre os limites da ficção e do real, ao misturar (e mesmo ofender) figuras históricas com os amaldiçoados Cabral.
De narrativa ágil, a obra ainda resgata a linguagem dos quadrinhos, intenção explícita na própria fala do autor, que em entrevista declarou ter tentado “contar uma história do jeito como pessoas que cresceram lendo gibis contariam”.
As referências são explícitas, e vão desde citações de obras e personagens de ficção científica, como Watchmen e O Senhor dos Anéis (que são a maior obsessão de Oscar Wao, depois das mulheres que jamais conquistará) ao flerte com a linguagem dos quadrinhos surgidos nos anos 80 – a saga da família Cabral relembra claramente Crônicas de Palomar, do também latino Gilbert Hernandez (um dos lados da dupla de irmãos Jaime e Gilbert Hernandez, responsáveis pela lendária revista Love & Rockets).
A semelhança não se dá apenas no tom da narrativa: em uma das cenas, os seios da mãe de Oscar são comparados aos de Luba, protagonista de Palomar, revelando o vasto leque de referências nerd de Junot Díaz. Ainda que o texto preveja, talvez, um leitor capaz de decodificar as citações pensadas pelo autor, o tom da narrativa – tão sarcástico quanto complacente – garante a diversão.
A FANTÁSTICA VIDA BREVE DE OSCAR WAO | Junot Díaz
Editora: Record;
Tradução: Flávia Anderson;
Tamanho: 308 págs.;
Lançamento: Abril, 2022 (2ª edição).
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