A relação do Brasil com a violência ainda não é um assunto bem resolvido. A ideia do “homem cordial” – conceito criado pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda e que apresenta o povo brasileiro como hospitaleiro e generoso – cai por terra quando observamos as ondas extremistas que tomaram de assalto o país nos últimos anos. A violência em questão parte do cidadão, do Estado e do crime organizado.
A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil, publicado no ano passado pela todavia, escrutina como o Primeiro Comando da Capital (PCC) se organizou dentro dos presídios para criar uma instituição complexa e ramificada fora do sistema prisional, sendo responsável por grande parte do tráfico de drogas brasileiro. Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias fazem do livro uma reportagem intimista e ampla sobre uma das pontas soltas que asfixia a sociedade. O livro é resultado de pesquisas de campo e bibliográficas, depoimentos com integrantes e ex-membros da facção, relatos de familiares, policiais e agentes, além de reportagens de jornais e televisão.
Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias fazem do livro uma reportagem intimista e ampla sobre uma das pontas soltas que asfixia a sociedade.
De maneira inédita, os autores observam a escalada do crime e a relação com a desordem do Brasil. Fundado na década de 1990, o PCC – que chegou ser negado por Geraldo Alckmin quando era prefeito de São Paulo – foi responsável por uma onda de rebeliões em unidades prisionais de todo o país em 2001, ano emblemático em que os telefones celulares se popularizavam e começavam a fazer parte do cotidiano de detentos.
Dois anos mais tarde, o apresentador Gugu Liberato, à época no SBT, veiculou uma entrevista falsa com integrantes do grupo. Em 2016, poucas semanas antes de sediar as Olimpíadas, o Rio de Janeiro decretou estado de sítio devido à deflagração de ações violentas por toda a capital fluminense.
Bruno e Camila estabelecem um pacto com o leitor de contar aquilo que sabem de maneira clara e apartada do pedantismo acadêmico que a empreitada poderia carregar. Ao longo de A Guerra, os autores pontuam as ordens dos chefes do PCC com os chamados “salves”, relatórios, cartas e memorandos que dão respaldo documental às decisões do grupo. “Você tem pelos ‘salves’ coisas muito práticas e econômicas, como ‘você pode alugar armas em tais lugares em tais preços’, e algumas coisas de etiqueta de relação entre as pessoas na prisão, com a família do preso, do que pode e do que não pode”, comentou Manso em entrevista ao Nexo.
A Guerra não é um livro-julgamento do PCC, mas um olhar crítico sobre as estruturas sociais que dão alicerce ao grupo. Os autores não se furtam em apresentar também – de forma imparcial e intrigante – a visão interna da facção. Longe do maniqueísmo de colocá-lo como vilão e, ao mesmo tempo, distante de fazer do PCC uma vítima das mazelas e desigualdades, o livro é um corte de navalha na carne crua.
A GUERRA: A ASCENSÃO DO PCC O MUNDO DO CRIME NO BRASIL | Bruno Paes Manso & Camila Nunes Dias
Editora: todavia;
Tamanho: 344 págs.;
Lançamento: Agosto, 2018.
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