Seja no caso de um filme que virou videogame, seja um romance que virou peça de teatro: as adaptações de obras de arte já existentes para novos meios sempre enfrentarão desafios. Afinal, a transposição de uma narrativa de um meio para outro implica alterações necessárias às especificidades daquele meio. Adaptações que falham em levar em consideração as forças particulares do tipo de mídia escolhido arriscam tornarem-se rígidas e sem sentido.
É por isso que existe a máxima “o livro é sempre melhor que o filme”. Embora Hollywood venha adaptando obras literárias para o cinema há muitas décadas, é certo que suas adaptações ficam, com grande frequência, muito à sombra da obra original. E não é à toa: transformar um livro de mais de 400 páginas em um filme de duas horas ou menos é, por si só, uma tarefa árdua.
Dito isto, o trabalho feito pelo diretor Alex Garland com o filme Aniquilação (2018), estrelado por Natalie Portman, é competente e tem seus méritos. Como filme de ficção científica, traz diferenciais interessantes em sua ambientação e mantém a atenção do espectador ao longo de toda a experiência. Porém, como adaptação da obra epônima de Jeff VanderMeer, o primeiro livro da sua trilogia Comando Sul, falha ao omitir a parte mais rica do material original.

O horror do indescritível
Desde a primeira cena, Aniquilação (2014), o livro, já estabelece um tom diferente do filme, tendo início de forma completamente distinta. A narrativa do primeiro livro começa in media res, com a bóloga, a narradora, em meio à sua expedição na Área X, um território tropical de estranhas propriedades biológicas e origem desconhecida.
Embora Hollywood venha adaptando obras literárias para o cinema há muitas décadas, é certo que suas adaptações ficam, com grande frequência, muito à sombra da obra original.
A narradora começa descrevendo suas primeiras impressões de uma grotesca estrutura subterrânea, que chama de “torre” e que não consta nos mapas que lhe foram dados. Este é apenas um dos elementos que está completamente ausente do filme e é um dos maiores mistérios da trilogia.
Embora a caracterização da Área X na adaptação cinematográfica seja excelente, contando com efeitos visuais que realçam fortemente o efeito descritivo do livro, muito se perde quando alguns dos elementos mais curiosos, inovadores e complexos criados por VanderMeer são deixados de lado.
Desde o início, fica claro que há um clima de terrível tensão por trás da expedição da qual a protagonista faz parte; na Área X, nada é o que parece, e suas três companheiras anônimas de expedição –– a antropóloga, a topógrafa e a misteriosa psicóloga –– aparentam esconder os verdadeiros motivos de terem aceitado essa missão suicida. Os perturbadores efeitos mentais causados pela Área X fazem com que o depoimento da própria narradora seja digno de desconfiança.
Apesar do filme ser facilmente classificável como sci-fi, o livro é um enigma muito maior. Carrega, de fato, diversos traços da ficção científica, mas essa é apenas uma das formas de ler Aniquilação, que permite múltiplas interpretações e conclusões. De certa forma, a trilogia está mais próxima ao weird fiction, subgênero da ficção especulativa inspirado pelo absurdo existencial e o horror cósmico de autores como H.P. Lovecraft.
Assim, é natural que a adaptação falhe em alcançar o mesmo tom e multiplicidade de sentidos do original. A ficção weird tem como marco o uso de elementos (criaturas, personagens, ambientes) que desafiam a lógica humana e a descrição visual, priorizando o impossível, o abstrato e o absurdo, tendo assim como única forma de representação possível a língua, o instrumento que nos permite imaginar o inimaginável.
A história além do filme
Ainda assim, o livro se beneficia imensamente por fazer parte de uma trilogia. Embora a história de Aniquilação, o primeiro dos três livros, seja compreensível e instigante por si só (tendo um começo, um meio e um fim definidos), o contexto adicional fornecido pelas sequências enriquece o universo criado por VanderMeer de forma que o filme jamais poderia replicar em tão curto espaço de tempo.
O segundo livro, Autoridade, transporta drasticamente o ponto de vista narrativo para a organização que estuda a Área X do lado de fora do território. Desta forma, somos apresentados a informações e dados muito mais concretos sobre a natureza desse estranho fenômeno e as diversas possibilidades para sua origem e propósito.
Já o terceiro livro, Aceitação, conecta as personagens dos dois primeiros livros e conclui a narrativa de forma conclusiva, mas ao mesmo tempo bastante aberta à interpretação. Ao término da leitura, é difícil não querer retornar aos livros anteriores para desenterrar mais detalhes que comprovem ou desprovem suas teorias particulares.
É uma pena que as duas sequências provavelmente jamais serão filmadas, pois o filme de Alex Garland foi concebido como um projeto único, já concluído. Seria curioso ver quais escolhas o diretor teria feito para representar os elementos mais abstratos da trilogia. Para quem gostou da adaptação, fica a dica da leitura: tem muita história além do filme.
ANIQUILAÇÃO | Jeff VanderMeer
Editora: Intrínseca;
Tradução: Braulio Tavares;
Tamanho: 200 págs.;
Lançamento: Julho, 2014.