Quer você goste ou não, Haruki Murakami é, certamente, um dos nomes mais importantes da literatura mundial atualmente. Fenômeno absoluto de vendas em inúmeros países, o escritor japonês é um verdadeiro divisor de opiniões: para muitos estudiosos e apreciadores da literatura japonesa contemporânea, trata-se de um autor superestimado, um mero produtor de best-sellers; para milhões de leitores fiéis, Murakami é um gênio, capaz de mesclar a milenar tradição cultural de seu país às influências artísticas e sociais do ocidente em narrativas instigantes e repletas de metáforas complexas.
Sempre que seu nome surge entre os possíveis laureados com o Prêmio Nobel da Literatura, as discussões acerca dos méritos literários de Murakami – frequentemente bastante acaloradas – ressurgem no meio cultural. É compreensível, portanto, que um leitor que ainda não teve contato com sua obra se encontre dividido em meio a esse debate: devo, afinal, ler Murakami? Ou estaria perdendo meu tempo com um escritor que não vive à altura do hype?
Felizmente, o lançamento de Crônica do Pássaro de Corda, que ganha sua primeira edição brasileira em novembro pela Alfaguara Brasil, vem para sanar definitivamente essa dúvida: o clássico de Murakami é a perfeita demonstração de um escritor no auge de sua técnica, demonstrando grande habilidade ao equilibrar conteúdo e forma, e com pleno domínio das temáticas filosóficas apresentadas ao longo da trama.
Extenso, Crônica do Pássaro de Corda tem o mérito de manter as temáticas filosóficas centrais coesas ao longo de todo o romance.
Tóquio paralela
Assim como em outras obras de sua autoria, como 1Q84 e O Incolor Tsukuru Tazaki e Seus Anos de Peregrinação, uma sinopse de Crônica do Pássaro de Corda pouco teria a dizer sobre os verdadeiros méritos do romance. Afinal, o enredo – enquanto sucessão de fatos e acontecimentos aos quais o protagonista reage física e psicologicamente – não é o objeto de estudo de Haruki Murakami. O objeto de sua obsessão – e de sua literatura como um todo – é a natureza da mente humana; mais especificamente, a tênue membrana entre o onírico e o físico, entre história e delírio, entre real e imaginário. Não à toa, o escritor encontrou no gênero do realismo mágico a matéria-prima perfeita para esculpir suas histórias, injetando influências da cultura ocidental contemporânea na tradição mitológica e poética de seu país.
Em Crônica do Pássaro de Corda, essa obsessão se manifesta na jornada de Toru Okada, cuja busca por um gato desaparecido – e pela misteriosa esposa, cada dia mais distante – adquire proporções verdadeiramente mitológicas. Ao longo de seu trajeto, Toru encontra personagens excêntricos, memoráveis e estranhamente fantásticos; à medida que a trama progride, esses encontros e conflitos sucessivos se tornam cada vez mais surreais. Desbravando esse bizarro labirinto urbano, o leitor se vê mergulhado no subconsciente do protagonista, que se confunde com a realidade geográfica de uma Tóquio paralela minuciosamente arquitetada por um autor com profundo conhecimento do que significa contar uma história.
Extenso, Crônica do Pássaro de Corda tem o mérito de manter as temáticas filosóficas centrais coesas ao longo de todo o romance, êxito que o autor falha em alcançar em outras obras, como o difuso 1Q84 ou o errante Kafka à Beira-Mar, e pode agradar mesmo quem jamais apreciou a escrita de Murakami. Ao manter-se fiel à sua proposta temática, o livro representa uma amálgama de tudo o que Haruki Murakami sabe fazer de melhor: narrar verdadeiros mitos contemporâneos, enraizados na solidez do mundo real e permeados por imagens inesquecíveis que ecoam, insistentes, no imaginário do leitor.
CRÔNICA DO PÁSSARO DE CORDA | Haruki Murakami
Editora: Alfaguara;
Tradução: Eunice Suenaga;
Tamanho: 768 págs.;
Lançamento: Novembro, 2017.